quarta-feira, 6 de abril de 2016

terça-feira, 8 de março de 2016

Um gosto contraditório de ser quem não se pode ser



Há quase um ano, estava com o coração explodindo quando entrava no consultório trans (CRT - Santa Cruz) para passar com a endocrinologista e conseguir meus primeiros hormônios. Escrevi uma pequena crônica para dizer quão feliz eu estava, mas quão contraditório era todo esse procedimento. De lá pra cá, vivi uma montanha russa de emoções, medos, inseguranças e dilemas sobre minha identidade de gênero. Algumas conquistas, e de contra partida mais humilhações e instabilidade.

Hoje me ligaram do ambulatório para dizer que eu que estava na fila desde 2013 para o atendimento psicológico (isto é, processo obrigatório para atestar em laudo meu Código Internacional de Doença e poder iniciar o tratamento hormonal), finalmente havia conseguido uma vaga. A sorte que há um ano já havia conseguido uma psicóloga da Unidade Básica de Saúde que não me atestou como doente mental, mas como "indivíduo livre para se desenvolver socialmente com o gênero que me identifico". Assim dei início a minha hormonização, mas todos esses anos a falta de um tratamento psicológico efetivo custava caro. As dificuldades de me expor e ser sincera com medo disso permitir algum possível veto a seguir este tratamento, influenciou muito e me fez voltar a escrever (e a respirar).

Nos primeiros dias, eram "pílulas mágicas", não poderiam mudar absolutamente nada, mas a sensação era que estava dando um passo a frente. Decisão difícil, se submeter a hormônios que nas bulas nada mencionavam a minha existência, pelo contrário, reafirmavam os corpos da mulheres cis. Nos primeiros meses, meu peito se tornou muito sensível, descer as escadas eram a dolorosa felicidade de "algo ali se mexer". Mas já na próxima consulta, quatro meses depois, a "segurança" que buscava em fazer acompanhamento da minha harmonização caiu por terra. Uma semana antes da consulta meus comprimidos acabaram, e o que começava a se desenvolver, retrocedeu. Quando cheguei na endocrinologista, os exames estavam ótimos, mas os hormônios estavam em falta. Então, foi receitado outro, que eu deveria comprar por conta própria. Comecei então a comprar na farmácia e junto a isso, ver que além da ausência de estudos profundos sobre nossa saúde e a precária situação que temos de sobrevivência, no próprio ambulatório voltado as pessoas trans, nada é tão diferente assim. Não havia uma "continuidade obrigatória" da medicação, mas em um ano, houve três pílulas de hormônios femininos diferentes.

Com o passar dos meses, meu corpo começava a ter mais hormônios femininos do que masculinos, graças ao bloqueador de testosterona que tomava junto aos hormônios femininos. Meu corpo entrava numa ebulição, TRANS-formando-se. Até que no dia 07 de Junho de 2015 explodi. Meu corpo cada dia mais exigia mais mudanças, menos paciência comigo mesma e uma solidão que atingia a alma elevada a vigésima potência. Vim do trabalho pra casa chorando, estava só. Acendi um, dois, três cigarros e o choro engolia minha falta de palavras. No fundo, sabia que não adianta gritar, nem explicar o que sentia. Meu corpo e minha mente estavam sendo esmagados pelos padrões que nunca iria me encaixar, uma pressão cisnormativa de como era vista e o quanto ainda faltava "pra ser mulher de verdade". Não adiantava. O choro não iria embora, a não ser que eu fosse primeiro. Não me esqueço da canção de rap que se repetia, sem pausa, misturada com meus soluções e dificuldade de respirar. Até quando poderia aguentar está situação? Era estar nua o tempo todo, e as risadas sobre o meu corpo ensurdecendo meus ouvidos. Eram já centenas de mulheres trans que tinham sido vencidas por essa sociedade transfobica e capitalista que destrói nossos corações e nossas potencialidades de realmente sermos. Era a luta com meu corpo como campo de batalha que o risco de não aguentar, de sucumbir à dor e a falta de esperança, me marcava e ficará pra sempre.

Me doia ser tão consciente do mundo que vivo e saber que ser revolucionária não diminuía em nada a dor que sentia. Sim, as respostas que dei e sigo dando apontam pra minha emancipação, pra luta revolucionária, para combater na política e na vida, a miséria das relações e também da ideologia que nos quer amedrontar e fazer desistir. Mas não parou de doer, um segundo que fosse.

Desci as escadas, o rosto inchado, os hormônios eram uma parte do que me fragilizava, o mundo tal como é, era todo o resto. Os comprimidos criaram em mim uma sensibilidade tão própria deste momento de me construir como sou, que não me servia mais as armaduras, nem a própria anulação de mim mesma, precisava encarar de frente e não me sentia pronta pra isso. Lembro de tomar o resto de uma cachaça que estava há tempos no congelador e não lembro mais quando ao certo apaguei daquele pesadelo.

No dia seguinte, eu estava muda. Já não me sentia parte de nada e justamente pela minha subjetividade não era capaz ou não valia a pena tentar reproduzir tudo o que estava na minha cabeça. Era uma bagunça que mesmo hoje ainda não saberia explicar. Era explosão, tudo em cacos. Aquele momento onde parece que todo o peso de ser quem se é numa sociedade que nada se pode ser, me deixava presa ao chão, sem poder me levantar. Nada me interessava, até porque nada mudaria a situação de se sentir um monstro aos olhos alheios, uma mutação de algo que não está de um lado (homem) e nem do outro (mulher).

Os dias passavam, e o vazio não me deixava. Encontrei um moço que me deu algumas borboletas no estômago e sorria enquanto me olhavam nos olhos. Meu corpo, pela primeira vez, em contra dos hormônios que cada vez mais castravam minha sexualidade e meu libido, queria se entregar a ele. E me entreguei. De cabeça, e de corpo também. Comecei então a me formar em poesia, e a cada batida que meu coração dava, escrevia uma nova. Pela primeira vez, me sentia bem com outra pessoa e queria realmente te-la por perto. Ele, ainda menino, não entendia nada do que eu estava passando e depois descobriria que não se importava, mas em cada beijo ou toque que passava pelo meu corpo, provocava um alívio e uma felicidade de superar o mito de que nunca poderia encontrar alguém. Escrevia poesias, em papel e no corpo dele, com lápis e com minha língua. Era um momento que me libertava e me sentia corajosa de estar vivendo algo assim. Os poucos abraços e mesmo o silêncio que sempre existiu entre nós, me preenchiam, acostumada com a miséria do capitalismo, achava que já era muito. Era intenso. E mesmo ouvindo de que era melhor não gostar tanto assim, não podia ser de outra forma. Ele era doce e ao mesmo tempo com quem eu mais queria dividir meus pensamentos. Mas era pesado demais e por vezes me convenci de não falar. Então, era mais poesia.

Nos primeiros dias que saímos, sentia o peso da cisnormatividade. Em cada ação e em cada momento me preocupava como ele me via, ainda que eu não conseguia perguntar, por medo das respostas. O sexo apesar de muito bom, começava também a expressar estas pressões. A minha relação comigo mesma, havia mudado muito com a castração química, e pouco conseguia me masturbar ou me sentir bem com essas mudanças. Com os meses, perdia não apenas o libido mas a intensidade até no fim o próprio gozo. Estar com ele também era difícil, porque no sexo, uma parte de mim ele ignorava. Tentei evitar. Porque abrir qualquer discussão significava colocar todo este debate, eu sei... Me colocar por inteira, e isto colocava tudo em risco. Já que num país tão hipócrita, as pessoas conseguem fingir descaradamente que "se confundiu" ou "não sabia" que somos trans, talvez para estar com ele, precisaria ser sempre metade. Mas isso só comprovava que não existia espaço para ter uma relação, pois mesmo estando juntos, mesmo enquanto ele ainda não via mais ninguém, eu sempre seria a "outra", enquanto ele espera por alguém. Ele dizia que gostaria de namorar, mas eu não era uma opção. Nunca me fez um elogio e mesmo dizendo que tinha um jeito especial de gostar de mim, e acredito que houvesse mesmo, não era o bastante para equilibrar o peso de estar ao meu lado.

Os riscos me davam calafrios, mas não poderia construir uma relação que também não fosse sincera, então melhor seria jogar tudo pro ar, do que chegar até aqui e desistir de quem eu sou. Ele não entendia e eu mal poderia me explicar. Ele disse "não acho que seja uma questão de atraso, mas de não querer mesmo" e partiu meu coração como tantas outras vezes que faria depois.

Numa dessas tardes, de altos e baixos, meu corpo novamente era o centro dos meus medos. Ele me deixaria pelo meu corpo? Ele esperaria os resultados? Mais que isso, eu consigo esperar mais por resultados? Corri, desci ate a farmácia e comprei uma Perlutan, hormônio injetável - o mais utilizado e contra indicado pelas travestis. Minha médica do CRT já havia dito, incansáveis vezes, que era contra o uso desse hormônio. Mas os que me davam, no que adiantavam? É o desespero que me tomava conta, comprei o hormônio, mas não queriam me aplicar sem receita. Grande dilema! Procurei duas outras farmácias e todas se recusavam. Entrei numa última, pedi então a seringa e senão fosse por eles, eu mesma aplicaria. E lá, me aplicaram (e aplicam até hoje). Decidi então, tomar por conta meus hormônios e invés de seguir no SUS sem medicamentos e sem coragem de contar as médicas que havia decidido pelo meu corpo e qual hormônio iria tomar. O problema é que além dessa médica não conseguia passar em qualquer outro médico, porque não entendem meu corpo e constantemente não conseguem respeitar minha identidade de gênero. Chorava sozinha, tantas vezes, só querendo entender o que dizia meu corpo, o que estava mudando, no que me transformava.

Nos encontramos, eu e o boy, mais algumas vezes e de agosto até janeiro essas idas e vindas instigaram meu corpo e contribuíam para mais crises de quem eu era e de como lutar para ter minha identidade de gênero orgulhosa, pois a cada dia, a vergonha e os ataques vinham mais fortes. Chegava a desejar ser outra só para ele poder me querer por inteira. Só pra ter a chance dele também gostar de mim. Com muita coragem, ainda nua, deitada no seu peito, perguntei a ele, se via que meu corpo mudava, meu seios cresciam... Tremia, enquanto olhava pra ele, esperava uma resposta. Mas não houve mais que um sim timido, percebia então que ele não poderia ser uma muleta, era um indivíduo que também queria ser livre. Não o culpo, e aprendi a deixá-lo ir. Ainda que levasse consigo a segurança sob meu corpo e meus desejos já não reprimidos.

Depois já com o Perlutan e uma bomba quinzenal de hormônios no meu organismo decidi parar de fumar. Os altos índices de trombose, de outros problemas de saúde, me faziam refletir como revolucionária que precisava sobreviver mais do que os 35 anos previstos para as travestis. Mas abrir mão do cigarro, era abrir mão do minha única companhia permanente e anesteciante. Parei dois meses, do fim de novembro a fevereiro quando outra crise viria.

No fim do ano, acordei cedo e fiquei numa fila para um objetivo incerto. Precisava dar os primeiros passos para mudar definitivamente meu nome. Já não me cabiam mais conviver com "César Augusto" em meus documentos. Não existia mais aquela pessoa e não me trazia boas sensações ter de me explicar todas as vezes que apresentava o documento. Não era sobre vergonha do passado, tampouco querer disfarçar que sou trans, mas uma luta para o Estado reconhecer minha identidade. Demorou muito, mas consegui uma advogada. Conversamos, e ela muito educada se mostrou interessada em defender meu caso. Entramos com o processo e sem data de previsão, torcia para mudar meu nome antes de morrer, pelo menos ter meu nome respeitada na lápide. Então, um mês depois, surpreendentemente, vejo a notícia, meus olhos desciam acompanhando o veredito no ritmo que se encheram de lágrimas enquanto eu lia. Finalmente, estava o Estado reconhecendo minha identidade? Estava dando outro grande passo na minha e dessa vez era definitivo, não poderiam arrancar de mim. Não poderiam mais me chamar por um nome que não me pertence.

Na mesma semana, me organizei pra ler os documentos pensando que inclusive pela agilidade do processo e por ter um laudo não patologizante poderia contribuir com tantas outras trans que precisam deste direito e não conseguem acessa-lo. Mais decepção impossível. A sentença era mentirosa, se baseava em documentos que não tinha apresentado (como passar em psiquiatra que nunca passei) e formulações bizarras como "o transsexualismo se da a partir de uma anomalia no sistema nervoso central". Oi? Que Estado hipócrita! E para piorar, aceitaram mudar meu nome, mas insistem em manter o gênero masculino. Não reconhecem, nem por um segundo, nosso direito a identidade de gênero. Que somos o que queremos ser.

Um gosto amargo, das humilhações e da contrapartida das vitórias parciais. Não me arrependo nem de quem sou, nem das paixões, nem dos enfrentamentos diários. E me sinto muito mais forte hoje. Sou uma revolucionária e minha vida é guiada por problemas sociais, pela histórica tristeza da humanidade que é ter sua essência roubada por este sistema capitalista. Todavia, não sinto menos o peso de ser travesti, não dói menos. A força está em saber transformar, quando possível, esta dor em ódio. E para cada obstáculo que nos impõem, resgatar Stonewall. Se Marsha enfrentou a polícia e disse " nenhum orgulho para alguns, sem liberdade para todos", eu sou apenas uma aprendiz. Mas vou crescer.

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

Transcidadania: Uma peneira para tampar o Sol cada dia mais quente?

No último dia 20, conclui-se o primeiro ciclo do projeto Transcidadania. Há um ano dessa experiências, comprovaram-se os avanços e os limites desta política.



No último dia 20, ocorreu a primeira formatura do projeto Transcidadania. O programa da prefeitura de São Paulo forneceu 100 bolsas para travestis e transexuais no valor de R$ 840,00 para concluírem os estudos e busca a "ressocialização no mercado de trabalho" como alternativa a prostituição compulsória. Das 100 beneficiadas, apenas 33 concluirão o ensino fundamental e cinco o ensino médio. Entre elas, duas prestaram o ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio) e puderam concorrer a vagas nas universidades ou a bolsas do programa PROUNI. Há um ano escrevíamos sobre o lançamento deste projeto, hoje podemos retomar os questionamentos que nos fazíamos dos avanços e dos limites desta política pública frente a transfobia estrutural do capitalismo brasileiro.

Sendo uma das políticas mais avançadas no país para a população trans, o primeiro questionamento que podemos nos fazer é: o objetivo de combater a evasão escolar e a conclusão do ensino básico foi superada? Obviamente, que não. Se já apontávamos que o problema estava presente na ausência de uma reforma estrutural na educação para garantir a inclusão das pessoas trans, respeitando não apenas seu nome social e o direito ao uso dos banheiros correspondentes a sua identidade de gênero, mas também garantindo o debate sobre a sexualidade não heteronormativa e das identidades de gênero não cisgêneras promovendo a inclusão e o combate as opressões tão reproduzidas no ambiente escolar. O que se comprovou é que nem com esta política especializada, foi possível garantir a conclusão de todas as participantes.

Importantes limites para garantir uma cidadania para as pessoas trans

Num país recorde de assassinatos de pessoas trans com uma direita tão raivosa que já tentou aprovar projetos arqui-reacionários como a "Cura Gay" e o "Estatuto do Nascituro" (conhecido como "Bolsa Estupro"), que tenta a todo o tempo legitimar a violência contra as mulheres e se manifesta abertamente contra os LGBT, inclusive incentivando a violência como foi o discurso de Levy nos debates eleitorais em 2014, não se pode ter dúvida alguma que a luta por direitos básicos para as pessoas trans é uma dura batalha. Por isso, a luta dos setores LGBT e dos que lutam pela libertação sexual sempre deve partir de um enfrentamento mortal com esses políticos reacionários agentes da burguesia mais sanguinária que não quer garantir a mínima dignidade e condições de vida para a população trans. Todavia, esse combate frontal não pode impedir estes mesmos movimentos de ter uma leitura crítica e correta sobre as medidas parciais e os limites que se depararam para garantir a cidadania.

Na Cerimonia de formatura do projeto Transcidadania, o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT) se pronunciou dizendo que “Em um momento em que ameaçavam propagar o preconceito e a intolerância, nós dissemos que não vamos permitir isso em São Paulo. Com esse programa, anunciamos a todas as pessoas que ninguém ficará para trás” e continuo “O Transcidadania educa toda a sociedade para a diversidade”. Mas infelizmente, esta não é a realidade. Foram computados pelos movimentos LGBT e transfeministas 56 assassinatos de pessoas trans apenas em 26 dias de 2016. Quase o dobro de pessoas comparado ao número de pessoas trans formadas neste primeiro ciclo. Muito longe de educar a sociedade, os dados demonstram que a violência, as agressões e os assassinatos aumentaram brutalmente. Se foram 8 pessoas trans assassinadas no primeiro mês de 2015, são 48 amais que perderam suas vidas. O Estado, a Igreja e o Congresso Nacional são responsáveis.

Segundo a declaração do prefeito “Imagine uma pessoa que há um ano agarrou a primeira oportunidade que teve. Passados 12 meses ela deixou uma condição de vulnerabilidade e agora pode decidir sobre o seu futuro em uma universidade” é como se a educação básica pudesse apagar todas as desigualdades sociais, garantir a "cidadania" mesmo que para conseguir os documentos oficiais com o nome correspondente a identidade seja quase impossível, como senão houvesse uma barreira social para conseguir emprego formal, como se a saúde não considerasse as identidades trans como doenças mentais e obrigasse que médicos e psicologos digam com mais autoridade do que as próprias pessoas trans. Haddad parece não conhecer realmente a realidade da população trans que vive mais de 90% na prostituição compulsória.

Na contramão de garantir a cidadania para as pessoas trans, o PT de Fernando Haddad fez acordos com a bancada evangélica levando Feliciano para a Comissão de Direitos Humanos em 2013, dando a este uma visibilidade muito maior do que a que tem as mortes que chocam até mesmo os órgãos internacionais de direitos humanos. Um governo que em 13 anos não deu nenhum passo sério na garantia de direitos, não cumpriu as promessas eleitorais de propor a criminalização da homo-lesbo-transfobia, vetou o kit-antihomofobia impedindo efetivamente um combate a evasão escolar e reprodução do preconceito nas escolas. É o mesmo partido que se diz progressista, mas não se pronunciou sobre a prisão e torturas de Verônica Bolina, que assistiu calado os assassinatos de Kaique Augusto, Marcus Vinicius e de Laura Vermont. É o governo que abraça o Papa quando vem para o Brasil, mas nada faz para garantir a separação da igreja do Estado, nem o direito ao aborto legal, seguro e gratuito ou a Lei João Nery, tão necessária para começar a se falar em cidadânia.

Nenhuma trans a menos! Pelo direito ao Pão, mas também as rosas!

A previsão para este ano da Coordenação de Políticas LGBT da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania é de ter um orçamento de R$ 8,8 milhões, bem maior comparado ao R$ 3,8 milhões em 2015, destinado para o segundo ano do Transcidadania. Pretendem dobrar o número de vagas, de 100 para 200, e o valor da bolsa aumentará para pelo menos R$ 910, conforme anunciou Haddad durante a cerimônia de formatura. Tudo isso, sem dúvida alguma, são direitos que defendemos e causam grande repercussão e polarização social. Enquanto a direita LGBTfóbica vomita absurdidades como faz Cunha, Feliciano e Bolsonaro, nós dizemos que nenhum direito a menos vamos permitir.

Porém, em momento algum acreditamos nas palavras de "ninguém fica pra trás" se em menos de um mês 56 travestis e transsexuais ficaram não apenas "para trás", mas direito a vida, e há muitas, sem direito ao luto para a família, sem direito de ter seus nomes e suas identidades respeitadas, sem direito ao futuro. Se o PT realmente quisesse um futuro para as pessoas trans, deveria começar garantindo o direito ao emprego, acesso irrestrito a universidade, criminalização da LGBTfobia, ampliação dos ambulatórios trans com mais contratação de endocrinologistas, psicólogos e demais profissionais da saúde para este atendimento.

Se em um ano deste projeto podemos tirar conclusões, poderíamos dizer que em primeiro lugar, não podemos deixar de relacionar este projeto com o veto ao Kit Anti-Homofobia, uma vez que essa medida parcial se choca diretamente com um problema estrutural da educação que segue sendo a corrente de transmissão da ideologia burguesa homofobica e transfóbica. Justamente por isso, as limitações que apontávamos, se confirmaram. E que é preciso ir por mais, sem alimentar ilusões em políticas públicas isoladas, por mais bem intencionadas que sejam, também. Para as 38 participantes foi sem dúvida uma grande mudança na vida, todavia, não paga a dívida de todos os anos de opressões e humilhações que passaram e tampouco as protege da triste perspectiva de 35 anos. Segue então, a roleta russa na mira da população trans. Política públicas necessárias, que não tocam na estrutura que as tornou necessárias. Por isso enquanto seguimos lutando pela Lei João Nery, enquanto seguimos lutando por justiça, investigação e punição para cada caso de violência, mutilação e assassinatos contra a população trans, reforçamos nossa luta anticapitalista e revolucionária como única alternativa para romper com a heteronormatividade compulsória e a cisnormatividade tão incentivadas pelo próprio Estado, as escolas e suas demais instituições.Contra a polícia racista e transfóbica, contra a Igreja e sua moral conservadora, contra o Estado e todos os políticos burgueses gritamos Nenhuma trans a menos! Da educação, à saúde e ao direito a vida: queremos o Pão, mas também as rosas.



terça-feira, 27 de outubro de 2015

Virgínia Guitzel na Plenária da CSP Conlutas ABC

A prostituição na vida das travestis e mulheres transexuais - Parte I


Virgínia Guitzel

A atenção dada as identidades de gênero não cisnormativas vem ganhando internacionalmente cada vez mais um peso significativo, retomando grandes debates dentro do movimento feminista. No Brasil, a visibilidade conquistada pelo ativismo trans se deu principalmente vinculado aos escandalosos casos de torturas de Verônica Bolina, o assassinado de Laura Vermont que demonstraram a relação permanente de opressão entre o Estado, suas forças armadas e os LGBT. Assim como a agressão sofrida por Viviany, que na 11° Parada LGBT fez uma perfomance crucificada denunciando a perseguição moral e social que sofrem as travestis, mulheres e homens trans.

Nas universidades, ainda que mantenham seu caráter completamente elitistas e construídas contra a presença de setores oprimidos e dos trabalhadores, tem se tornado um espaço onde os debates sobre transsexualidade e as identidades não binárias e não adequadas a cisnormatividade encontram um espaço impar impulsionados por importantes teorias pós-modernas e figuras como Foucalt, Judith Butler e desde o Brasil Berenice Bento, entre outras. É também, um espaço que muitas vezes pela distância da familia e das cidades de origem, propiciam uma liberdade individual e um descobrimento de tais (auto)reflexões que vem garantindo o surgimento do orgulho e da auto-afirmação trans nestes espaços - ainda que a partir deste momento, as próprias chances de permanência destes espaços caem brutalmente ao indice comum as demais pessoas cisgêneras.

Neste primeiro e breve artigo, não daremos conta de abarcar o conjunto da reflexão sobre a prostituição, os debates históricos do feminismo à respeito e tampouco o ponto de vista das próprias mulheres e travestis que vivem cotidianamente desta opressão. No entanto, humildemente oferecemos uma primeira reflexão, que daremos sequência, para abordar um tema fundamental que diz respeito da realidade da esmagadora maioria da população trans brasileira e mundial: a sexualidade comercializada, roubada e mutilada das pessoas trans.

O surgimento da prostituição e suas características na sociedade capitalista

Em cada sociedade, a dominação das mulheres sob os homens – isto é, patriarcado -encontrou formas particulares de favorecer o desenvolvimento das classes sociais determinadas por cada momento histórico. A sociedade capitalista, com seu alto grau de avanço humano, fortaleceu o patriarcado submetendo-o ao aperfeiçoamento da dominação de classe, garantindo que a dominação do gênero feminino não pudesse mais ser desassociada da divisão das fileiras operárias, da manutenção do trabalho doméstico e da profunda submissão como garantia de contenção social.

Ainda que tenha se estabelecido, sob a ordem burguesa, o trabalho assalariado como forma predominante de exploração, a sociedade capitalista pelo seu caráter internacional seguiu a dinâmica do desenvolvimento desigual e combinado, isto é, combinando elementos de profundo avanço frente as demais sociedades passadas sem eliminar completamente seus aspectos mais atrasados ou conservando tais aspectos artificialmente como no caso da prostituição, que carrega consigo a opressão e dominação feminina muito mais antiga do que sistema capitalista.

Ainda que filosoficamente abram-se nas redes sociais, blogs feministas e na acadêmia grandes debates sobre o que significa esta ação de comercialização da atividade sexual e do prazer, não se pode negar que ao longa da história, o gênero feminino teve sua liberdade sexual castrada pela monogamia exclusivista e seu corpo, assim, como sua totalidade, visto e garantido como propriedade masculina. Isto é, a sexualidade então comercializada sempre esteve apenas a serviço do prazer masculino e da perpetuação da “sociedade dos homens” imperante. No capitalismo, encontram-se para além da soberania masculina preservada integralmente, aspectos mantidos superficialmente na contramão do avanço e na superação da humanidade unicamente para garantir a dominação burguesa, como a manutenção da família monogâmica, heteronormativa e cisgenera, instituição garantida apenas para os detentores dos meios de produção, ainda que a ideologia dominante siga sendo a ideologia da classe dominante.

Por outro lado, a profunda crise e repressão sexual sustentada pela completa falta de condições materiais e limitações impostas pelo Estado, a polícia, as leis e a democracia burguesa, combinam com a existência, permanência e necessidade da prostituição. Frente a tamanha miséria sexual, a necessidade da imitação da família tradicional incapaz de satisfazer os desejos sexuais construídos pela humanidade, a ausência de espaços para a juventude se satisfazer sexualmente, a repressão sexual que intimida e mantém milhares dentro dos armários vivendo sob a frágil e instável heternormatividade são apenas elementos que ajudam a entender a sustentação da prostituição como instituição que marca o elo mais tortuoso para milhares de mulheres cis, travestis e, mulheres trans.

Abolir ou legalizar a prostituição sob a ordem capitalista?

Entre o feminismo há historicamente duas tendências fundamentais sobre a prostituição: as abolicionistas e as legalistas. Ambas contraditórias por deixar responsável o Estado por abolir ou " incluir ao capitalismo" essa opressão secular. Mas também utópicas, sendo a primeira uma medida que se se efetiva, significaria de maneira prática virar as costas para milhares de pessoas em profunda condição de vulnerabilidade e miséria sem oferecer uma saída verdadeira para suas angústias. E se "adentram ao capitalismo", não podem esperar mais qualidade de vida ou melhores condições de trabalho, pois a " modernização da prostituição" inspiradas em outros países como Amsterdã  não libertou as mulheres, muito menos, a desvinculou de um papel objeto e inferior à serviço apenas da satisfação de outros, não a si própria.

Sem transformar radicalmente a sociedade contrapondo os interesses da maioria da população trabalhadora contra os interesses vigentes de uma pequena minoria de exploradores, não se pode abolir a familia, a prostituição e a miséria da sexualidade. Não se pode libertar as mulheres, trans e cis, acorrentadas juntamente pela dominação machista. A violência assim como os abusos e estupros decorrentes da prostituição são expressões da forma com que o gênero feminino é tratado na sociedade capitalista, por isso, é preciso questionar ambas estratégias do feminismo que não podem oferecer uma crítica contundente e superadora a democracia burguesa, muitas vezes a embelezando e inaltecendo como a forma mais avançada de organização das sociedades no século XXI, ignorando os dados chocantes do número de mulheres, trans e cis em profunda situação de miséria, o trans-feminicidio, etc.

Única escolha: A marca na vida das travestis e transexuais da prostituição

Contudo, ainda que a prostituição corresponda a dominação do gênero feminino, há importantes diferenças entre a relação desta opressão entre mulheres cis e mulheres trans e travestis. Para além de ser a única e última escolha de sobrevivência de milhares de mulheres, fugidas de suas casas, violentadas, expulsas de casa, levadas pelo tráfico de mulheres e crianças e situações de abandono, para as identidades trans há ainda contornos maiores e mais dependentes.

As limitadas condições de construção da identidade de gênero pelos serviços públicos assim como pela iniciativa individual levam inevitavelmente a conformação de “guetos trans” sociais e culturais que obrigatoriamente se submetem à uma sistema retrogrado das cafetinas pela necessidade de moradia, espaços para realizar os atendimentos, assim como pelas vias do acesso a hormônio, cirurgias e demais procedimentos médicos, ainda que nenhuma destas necessidades são garantidas com segurança e qualidade, sendo uma triste realidade as doenças, dificuldades e efeitos colaterais pela auto-hormonização e a utilização de silicone industrial. Este sistema de opressão não poderia existir sem a conivência do Estado, que reprime e extorque as travestis com suas forças armadas (policia) expressando a sua função de dominação e conservação da sociedade atual na contramão de garantir o avanço e a emancipação do trabalho, da mulher, da sexualidade, da humanidade.

Mas ainda muito além dessas questões, é neste gueto que as pessoas trans encontram seus pares, podendo compartilhar dicas, experiências e vivências, para além de garantir sua proteção contra a violência machista, transfobica e policial. Aqui não se tratam apenas de uma questão econômica – a necessidade objetiva de vender a força de trabalho ou exercer atividades sexuais como forma de sobrevivência – mas também instintiva de sobrevivência social, baseada na reprodução da cultura e dos desejos sociais como a luta contra a solidão trans.

A consequência desta situação para a comunidade trans traz marcas profundas na vida. A objetificação, fetichização e transformação das mulheres trans e travestis em mercadorias, sob a ditadura da beleza e da juventude é uma expressão material da sexualidade como “nossa função social obrigatória”. A desumanização que sofremos pelo misticismo baseado em nossa invisibilidade compulsória e na prostituição como “destino natural” em torno de nossas identidades impede o desenvolvimento afetivo, a constituição de relações amorosas e do reconhecimento e na legitimidade roubada das capacidades e das potencialidades das pessoas trans em diversas funções, reflexões e inclusive na sua própria auto-determinação de seus corpos, mentes e identidades.

A necessária aliança revolucionária entre os oprimidos e a única classe progressista da sociedade: a classe operária

Na democracia burguesa juízes, médicos, deputados, psiquiatras, acadêmicos, a polícia e o Estado querem dominar nossos corpos e nossas mentes. Autorizar e regulamentar nossa sexualidade e nossas identidades à maneira que se adequem a moral dessa sociedade decadente. Para encontrar uma resposta a problemática da prostituição é preciso partindo das bases de sua sustentação, entender sua relação com o trabalho precário, o desemprego e o sistema capitalista.

O capitalismo, apesar de aprofundar cotidianamente o antagonismo entre a burguesia e o proletariado não eliminou as demais classes sociais, pelo contrário, veio as preservando artificialmente para dar base a sua sustentação. O lumpem-proletariado, ou seja, a massa de pessoas alheias ao mercado de trabalho, desprovidas de vender sua força de trabalho (o único direito “garantido” nesta sociedade de exploração) compõem o que chamamos de “exercito de reserva”, ou seja, a massa de desempregados que garante a submissão dos trabalhadores nos postos mais precários e sua defensiva sob os ataques e a retirada de direitos como chantagem barata de sua condição de explorado.

Pela sua pequena influência social, seu local ausente na produção e consequentemente na economia, as prostitutas e as pessoas trans em geral estão à sorte do proletariado e de sua crise de direção para fazer suas angustias e sofrimentos com tal sociedade encontrem força para destruir cada pedaço dessa opressão, erguendo uma nova sociedade com uma nova cultura, novos valores e livre de toda a dominação, opressão e exploração que vivemos. Por isso, senão debatida e tomada pela organização de trabalhadores como os sindicatos e os partidos da esquerda não se poderá encontrar uma saída verdadeira para tal questão. Também não poderá se levantar um movimento verdadeiramente revolucionário senão tomada pelas mãos que tudo produzem as demandas dos que mais oprimidos pela sociedade capitalista garantindo que assim a classe trabalhadora, única classe progressista e capaz de levar as tarefas da revolução até o fim, arraste consigo e atrai aliados na luta por nossa libertação.

Esta condição de lumpem-proletariado também fortalece a desorganização de um real movimento trans que possa expressar suas próprias demandas, prevalecendo os estudos acadêmicos, as teorias pós-modernas e as “problematizações” de gênero sob a realidade e profunda situação de miséria da grande maioria das pessoas trans.

Desde o Pão e Rosas Brasil seguimos a luta por melhores condições de vida das mulheres trabalhadoras, prostitutas e oprimidas. Aprovamos a campanha pela aprovação da Lei João Nery como um direito elementar para a comunidade trans e de enfrentamento ao Estado, que deve reconhecer não apenas a existência das identidades não cisgeneras como também a profunda situação de desigualdade entre as pessoas trans e não, como o machismo, a transfobia, a homofobia e o racismo tão cotidianos e concretos em nossas vidas. Mas reafirmamos em cada uma dessas lutas, a revolução socialista segue como condição para nossa emancipação, para dar a humanidade capacidade e liberdade para construir, na maior plenitude e racionalidade, um novo ser humano, verdadeiramente livre.

Ser trans e a possibilidade de ser candidata nas eleições de 2016

Sempre que digo que sou jornalista do Esquerda Diário, me sinto empoderada para dizer que as travestis tem muito o que falar, apesar da mídia burguesa sempre querer nos retratar ou como vítimas, ou como doentes e criminosas. Quando consegui os laudos médicos para começar o tratamento hormonal escrevi para a Seção Gênero e Sexualidade como me sentia, "uma pequena conquista para quem sonha com a emancipação". Nestes cinco meses, isso só foi se demonstrando cada vez mais verdadeiro. Os hormônios não são nem de perto uma possibilidade de emancipação, mas como uma mínimo, uma sobrevivência para resistir os obstáculos e a permanente perseguição que sofremos por nossa identidade não cisnormativa.

Hoje fui a defensoria pública para dar início ao meu processo de mudança de nome. Como publicamos recentemente, com o PSOL tendo cedido as filiações democráticas, abrimos em nossa organização um debate sobre as candidaturas que lançaremos para dialogar com setores de trabalhadores e oprimidos por uma perspectiva revolucionária para responder a imensa crise política que vive o país lutando com todas as nossas forças para que o questionamento ao PT não fortaleça a velha direita, mas crie mais espaço para as ideias revolucionárias. Entre as candidaturas, estamos debatendo a possibilidade que eu concorra nas próximas eleições, o que novamente colocou em cena a luta pelo direito ao nome a participação das travestis, mulheres e homens trans na vida política.

É certo que a representatividade dos setores oprimidos dentro do parlamento está longe de corresponder as nossas expectativas. E não nos esquecemos, e nem deixamos de dizer, que concorrer as eleições não significa adentrar "a casa do povo", muito menos num Estado "neutro" a ser disputado, mas sim, que entramos num espaço que não é nosso, mas sim o grande balcão de negócios da burguesia, que é utilizado como um instrumento da classe dos patrões contra os oprimidos e os trabalhadores para atuar justamente para fazer esta denúncia e para colocar a pauta dos trabalhadores, das mulheres e da juventude como forma de constratar a política revolucionária aos grandes políticos profissionais que entram na política para enriquecer e desfrutar de privilégios. Mas diferente de pequenos grupos que se contentam em comentar os rumos do país ou fazer coro a intelectualidade petista da "onda conservadora", queremos construir no Brasil uma alternativa de esquerda que não seja mera testemunha dos acontecimentos, mas sim uma verdadeira força social que através da luta de classes abra cada vez mais espaço para que os trabalhadores, as negras, as mulheres e homens trans estejam fazendo politica, não repetindo os exemplo de partidos que se adaptaram a ordem burguesa e optaram por não transformar a força orgânica das massas exploradas em força politica, fazendo pesar suas necessidades frente aos lacaios burgueses, rumando a construção de uma nova sociedade.

Moro num dos maiores concentrações operárias da América Latina, no ABC Paulista, onde a crise do bastião histórico do PT já chega a mais de 84% de reprovação, as centrais sindicais ligadas ao governo como a CUT e a CTB vem rifando os trabalhadores com os acordos como o PPE que nada protege os trabalhadores, mas sim os lucros patronais como viemos denunciando regionalmente. O desemprego para a juventude já superou a media nacional e cada vez mais vem se instaurando na região provocando um efeito dominó nos ramos de serviços e pequenas empresas. As greves que marcaram o começo do ano e se seguiram nas grandes montadoras como Mercedes, Volkswagen e Ford e também em outras fabricas menores só demonstram a força e a disposição dos trabalhadores de defenderem seus empregos e seus direitos. Queremos contribuir para que cada lutador consiga dar um passo da luta sindical para a luta política, assim como cada oprimido possa se sentir representado e ver que mesmo com as tentativas da patronal, da polícia e da burocracia sindical e acadêmica, é possível fazer política de outra forma, a partir da nossa classe. 

Mas diferente do que vejo no movimento LGBT não quero concorrer as eleições pedindo votos "porque sou LGBT", ou porque sou travesti. Para quem participa dos foruns LGBT sabem que ser LGBT não significa inclusive combater a homofobia ou a transfobia - a depender de que letra você é representado. Mas ainda mais que isso, não significa ter uma perspectiva de classe, muito menos dar a importante batalha que viemos travando pela independência política do nosso movimento para lutar verdadeiramente contra o governo e seus aliados como a Igreja Católica e as próprias bancadas fundamentalistas para garantir aprovações de leis como o projeto João Nery, ou Lei da Identidade de Gênero, a criminalização da LGBTfobia (PL 122), entre outras medidas. Quero entrar para a vida política dizendo que as travestis tem muita a falar e a denunciar este Estado que ainda hoje segue sem reconhecer nossa existência, mesmo atingindo o hacking do país onde mais ocorre crimes contra as identidades trans. Mas como concorrer as eleições, se nem meu nome é reconhecido? Se nem minha identidade pode se reafirmada por este Estado? Como garantir que as travestis e transexuais participem da vida política se seguimos com 90% de nossa comunidade na prostituição, impedida de se organizar, de ter voz, de se enfrentar verdadeiramente contra este Estado de coisas ao lado da classe trabalhadora e dos demais oprimidos dessa sociedade?

Se vou ou não me candidatar não dependerá da mudança de nome, muito menos, das tentativas incessantes de que abandonemos esta batalha pela construção de uma alternativa classista e revolucionária para responder a crise política e econômica que chegamos no Brasil. Não quero ver o Brasil repetir os erros da Grécia ou da Espanha com "novos partidos" que no fundo fazem a mesma velha tentativa de mudar as coisas por dentro desse sistema podre, sem confiar nos trabalhadores e nos oprimidos para se enfrentar com nossos inimigos. Chega! É preciso de uma política revolucionária, de um mandato dos trabalhadores para denunciar e poder cobrir e aportar verdadeiramente para as lutas operárias e dos oprimidos! É preciso de parlamentares que ganhem como professores e não queiram enriquecer com a política, mas sim, lutar verdadeiramente pela dissolução desse Estado e por um governo dos trabalhadores. Somente assim, é que nós travestis e qualquer trabalhadora e qualquer oprimido poderá participar verdadeiramente da grande política. Não queremos opinar apenas sobre os projetos assistencialistas que, no fundo, alimentam apenas ilusões de um problema estrutural que nos tira a vida, a esperança e muitas vezes a própria perspectiva de mudança.