Escrevo um pouco mais sobre como se deu a organização do GTs
no Encontro Nacional do Movimento Mulheres em Luta e a necessidade de
entendermos a relação entre a política, isso é, as discussões e resoluções que
definimos nestes grupos, e a forma de organização para que essas ocorram, como
se influenciam, e de como o politico e o organizativo, nesse caso, estão completamente
relacionados.
A divisão de GTs simultâneos que abarcavam desde temas
gerais e chaves do Encontro como o debate da violência, prostituição e aborto,
ocorriam ao mesmo tempo que os debates de setores duplamente oprimidos
(Mulheres lésbicas, TRANS* e negras) e também o debate internacional (que
discutiu os principais processos da luta de classes hoje, como Egito e Síria, que reivindico e acredito como tarefa fundamental desse encontro discutir e deliberar uma posição, para que o momento de
reorganização do movimento de mulheres – sendo este encontro o maior encontro
de mulheres classistas e revolucionárias nos últimos anos – esteja pautado nos processos reais
da luta de classes).
Primeiro, me parece um equivoco que o debate sobre a questão
negra, seja encarado como um debate de “mais um aspecto de opressão”, sem
partir da definição de que o capitalismo brasileiro se desenvolveu em base a
escravidão, a dominação dos negros e ainda mais fortemente o medo covarde da burguesia
débil – como são as de país semi colonial – da grande massa negra que tinha a
mesma rebeldia que os ex-escravos haitianos que fizeram a revolução. Esse é um debate
que deveria estar expresso desde a conjuntura nacional, que não poderia estar desvinculada da questão negra, pois são os negros e as negras a grande maioria da
população brasileira, são as massas trabalhadoras que sofrem com o racismo, que está para
além da violência policial, mas que assim como apareciam nas mobilizações de Junho, eram expressões diretas da falta de moradia, da falta de educação, a reprodução da miséria que é imposta, num país miserável que nem reforma agrária
nos ofereceu, como demandas da grande maioria, que são parte os negros e ainda de forma mais aguda as mulheres (lésbicas, travestis, transexuais) negras. Ainda que seja correto que haja espaço para as mulheres negras
discutirem suas questões especificas (de forma que exista um espaço de
organização próprio, que seja menos hostil do que os espaços abertos), o debate
da questão negra não pode ser reduzido a referencia de um setor da população,
mas sim encarado como uma questão nacional, uma opressão histórica e assim encarar que é tarefa
de um movimento revolucionário de mulheres, compreender a centralidade que essa
questão tem para a luta pela emancipação da mulher, o peso que tem nas lutas
nacionais e para o conjunto de países onde a questão negra não pode ser
encarada por fora de uma visão mais profunda de sua relação com a constituição do capitalismo e seu aspecto fundamental para sua derrubada.
Em relação, a questão das mulheres lésbicas e TRANS* da
mesma forma que muitas organizações de esquerda reclamam de que o debate da
mulher só é feito pelas mulheres, que quando falamos é a hora que nossos
companheiros saem para buscar café, ir ao banheiro, preparar sua fala, e não
escutam, todos esses exemplos, a organização dos setores oprimidos
simultaneamente as principais discussões (e proposta de campanhas e ações) do
Movimento Mulheres em Luta levou-nos a sermos as únicas a discutir nossas
demandas, de forma isolada do resto do Encontro. A defesa da organização dos
setores oprimidos para que estes possam se desenvolver, num terreno menos
hostil e mais libertário, como protagonistas e linhas de frente de sua luta por
emancipação não pode em momento algum estar em detrimento do movimento de
conjunto abarcar suas demandas e ser parte de sua luta.
Mais uma vez, a discussão das mulheres TRANS* fica a parte,
expressando como ainda, dentro do movimento de mulheres classistas, somos um
adendo nas resoluções, não parte constitutiva e integrante do encontro.
A auto-organização dos
setores oprimidos ou a auto-organização do conjunto da classe trabalhadora em defesa dos oprimidos?
Um debate que horas parece semântico e linguístico e horas se demonstra como uma estratégia adotada por alguns grupos feministas e por hora, da própria esquerda, se expressou no movimento de mulheres, que sem dúvida, sofre pressões de muitos lados (seja a adaptação do programa para “dialogar com as massas, sem tentar ajudar na elevação da consciência”, por outro de não conseguir ligar a luta do combate as opressões com a luta pela derrubada do sistema capitalista e pela construção de uma sociedade sem Estado, sem classes sociais, sem desigualdade econômica e política).
Sem dúvida, achamos que é uma questão de principio se
colocar ao lado dos setores oprimidos nas suas escolhas de organização. Achamos
que é tarefa desses setores ditarem como querem se organizar e como lutarão
pela sua emancipação, ainda assim, isso não significa nos abstermos do debate
político e tentarmos apresentar nossas ideias para que contribua para a
organização das mulheres revolucionárias em sua luta contra a exploração e a
opressão que nos é imposta.
A crise econômica em que vivemos hoje demonstrou que o
direito de setores oprimidos não são perenes, que ainda que tenhamos
conquistado diversos avanços quando olhamos exclusivamente para a questão do
gênero, quando atrelamos o caráter de classe, vemos que esses avanços não
vieram sem contradição. A história do feminismo, sua evolução condizente com o
tempo histórico em que a luta se pautava, nos serve para refletirmos os avanços
e os limites da luta pela emancipação da mulher. Seja pela luta pela inclusão
dos setores oprimidos dentro da ordem capitalista com a bandeira de igualdade,
seja na elevação das diferenças problematizando a igualdade “idêntica”, a
produção teórica de que maneira efetiva se luta pela emancipação da mulher e
dos setores oprimidos, acabava sendo caindo entre a conquista de mais cargos
públicos e políticas públicas via reformas no Estado burguês ou a constituição
de uma contracultura, que propunha diversas reformas linguísticas e formas
inovadoras (por vezes, corretas) de lidar com as construções de identidades,
sem traçar uma estratégia de combate ao sistema capitalista rumo a um governo
operário capaz de fornecer as condições materiais para se estabelecer uma
igualdade não apenas nas leis e de aparência, mas na vida real.
Se demonstrou de maneira verdadeira que não se pode
constituir espaços autônomos independentes do regime socioeconômico e político
em que vivemos. A influência e a determinação desse sistema é involuntário e
perpetua a desigualdade social. Por isso, a nossas formas de organização
precisam estar ligadas com esse objetivo, de unificar a fileira dos
trabalhadores, construir uma sensibilidade pró-operária entre os oprimidos
combinado a constituir uma sensibilidade entre os operários das bandeiras dos
setores oprimidos da sociedade como as mulheres, LGBTs e negros e negras, assim
buscando que a classe trabalhadora seja capaz de hegemonizar os demais setores
da sociedade, a partir de carregar suas bandeiras em suas mãos, para fortalecer
nosso campo revolucionário para a tomada do poder.
O Encontro resgatou diversas mulheres revolucionárias: Rosa
Luxemburgo, Clara Zektin, Dandara, Flora Tristan, entre outras, que também
faziam um debate sobre a organização das mulheres, em partidos políticos, no
SOVIETs, na linha de frente da luta revolucionária, da luta contra o machismo,
etc.
Os debates sobre conjuntura nacional e internacional, assim
como o aprofundamento dos processos revolucionários em curso, nunca foram
secundarizados na organização das mulheres, pelo contrário, eram espaços
privilegiados pois colocavam as mulheres na linha de frente de uma reflexão
estratégica, dos avanços e limites dos processos e na busca por encontrar saídas
e inclusive aprendizado com a luta dos trabalhadores. Resgato isso para dizer,
que o caráter simultâneo dos GTs que aprofundavam a visão da Primavera Árabe,
os GTs de setores oprimidos e os debates centrais do encontro que inclusive
eram deliberativos, se colocavam contra um método revolucionário de que as
mulheres se apropriem da reflexão estratégica e os ensinamentos que os
processos da luta de classes como Egito e Síria nos trazem, assim como os
setores oprimidos organizados nesse momento, partem de não só
departamentalizarem sua luta, mas também de estarem marginalizados dentro do
próprio encontro (sem que nossas demandas ecoassem dentro dos principais foruns de discussão e impedindo diretamente que opinássemos nas principais resoluções como o debate da
violência, que é parte fundamental de nossa opressão, uma vez que somos nós, as TRANS* que temos a perspectiva de vida de apenas 35 anos, no país mais homofobico do mundo).
Por isso, nesse debate tentamos esclarecer ao máximo, que
defender espaços privilegiados de discussão entre setores oprimidos não pode
estar em contradição, nem pode nos deixar menos convencidas de colocar, que é
preciso nos auto-organizarmos junto a classe trabalhadora, por isso é nossa
tarefa exigir que os sindicatos e as entidades estudantis tomem em suas mãos,
as bandeiras das mulheres lésbicas, das travestis e das transexuais. Nossa luta
é anticapitalista, pois é nesse sistema que estamos entregues a prostituição
como única forma de subsistência, que estamos jogadas a violência (verbal, física e psicológica) cotidiana, a
perseguição de grupos transfobicos, da própria polícia assassina e genocida com
o povo negro e com as TRANS* e sem a acesso a serviços públicos mínimos
como saúde, educação, moradia, etc.
Nossa luta é contra os grandes capitalistas que lucram
milhões com o nosso trafico sexual, com os silicones industriais que nos matam,
com clinicas clandestinas que realizam aborto e também a cirurgias para
construirmos nossos gêneros, que lucram milhões com os hormônios e as pílulas
de anticoncepcionais colocando nossos direitos a venda. Nossos inimigos são os
mesmos de toda a classe operária, entretanto, não podemos nos iludir de que não
é necessário dar um serio e profundo combate na ideologia burguesa que
contaminou a classe trabalhadora, principalmente nos últimos 30 anos, onde
conseguiu consolidar sua história de “fim da classe operária” e “vitória do
capitalismo”, pós derrubada do muro de Berlim.
Atuamos num movimento classista e revolucionário, porque não acreditamos como muitos movimentos feministas acabaram por "descobrir" que nossa luta seja contra os homens ou como algumas transfeministas acreditam "contra as mulheres CIS (mil aspas no termo Cis"), pelo contrário. Achamos que a aliança entre os homens trabalhadores (também brancos e heterossexuais) com as mulheres """"CIS"""" e demais setores oprimidos não só são importantes, como extremamente necessários para colocar abaixo essa sociedade que nos oprime e divide. Atuamos nesse movimento porque não vemos o combate ao capitalismo separado do combate as opressões. Tampouco temos uma estratégia de que cada grupo autonomamente lute por sua emancipação, mas exatamente o contrário, sozinhas, podemos ser poucas, no encontro eramos no máximo em 10 mulheres TRANS*, mas juntas eramos um movimento real e forte com a presença de mais de duas mil mulheres.
Atuamos num movimento classista e revolucionário, porque não acreditamos como muitos movimentos feministas acabaram por "descobrir" que nossa luta seja contra os homens ou como algumas transfeministas acreditam "contra as mulheres CIS (mil aspas no termo Cis"), pelo contrário. Achamos que a aliança entre os homens trabalhadores (também brancos e heterossexuais) com as mulheres """"CIS"""" e demais setores oprimidos não só são importantes, como extremamente necessários para colocar abaixo essa sociedade que nos oprime e divide. Atuamos nesse movimento porque não vemos o combate ao capitalismo separado do combate as opressões. Tampouco temos uma estratégia de que cada grupo autonomamente lute por sua emancipação, mas exatamente o contrário, sozinhas, podemos ser poucas, no encontro eramos no máximo em 10 mulheres TRANS*, mas juntas eramos um movimento real e forte com a presença de mais de duas mil mulheres.
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Por fim, essa é uma crítica para avançarmos de conjunto na organização dos próximos Encontros Nacionais e também aprofundarmos um debate com o conjunto dos movimentos de esquerda e de setores oprimidos sobre como forjar uma real aliança na luta contra nossos inimigos em comum.
Ao
construirmos um movimento de mulheres revolucionário e classista, precisamos
entender que os elementos organizativos (como por exemplos, as mesas de
discussão e os grupos de trabalho) não podem ser pensados por fora de seus
objetivos políticos e para assim garantir a melhor forma (mais democrática e
qualitativa) possível a elaboração de um plano de lutas que nos arme para o próximo período.
É preciso que exista fóruns permanentes de discussões entre
setores oprimidos, para que nos organizemos e elaboremos nossas demandas, que
possamos trocar informações e constituir uma relação mais próxima entre nós.
Por outro lado, é fundamental que nesses encontros não se expresse uma
departamentalização das discussões, que inclusive os setores oprimidos sejam
protagonistas de se reunirem, e não GTs específicos para estes (que parece as
vezes até um “organização forjada”) e que de forma mais democrática, os debates
mais profundos e teóricos sobre os processos revolucionários em curso possam
ser debatidos com o conjunto do Encontro e que as TRANS*, desde onde falo,
possamos não apenas ser linha de frente de nossa opressão (o que já nos damos a
tarefa), mas que sejamos dirigentes revolucionárias, queremos ser protagonistas
da luta contra essa sociedade de miséria, opressão e exploração, queremos ser
linha de frente da abolição de tal modo de produção, queremos ser mulheres que
lutam contra toda essa podridão e responsáveis por colocar de pé uma nova
sociedade.
Nós, mulheres TRANS* queremos tomar o céu por assalto.
Queremos ser linha de frente da transformação radical dessa sociedade. Na nossa luta por emancipação, a revolução é uma condição, que não abrimos mão!
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