segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

O combate às opressões e a Revolução


Por Virgínia Guitzel,
 militante travesti do Pão e Rosas e da Liga Estratégia Revolucionária - Quarta Internacional 



A internet e as redes sociais vem produzindo intensos debates sobre a luta revolucionária e o combate as opressões. Com a crescente produção teórica, política e relacionada a vida comum de vertentes de movimentos de oprimidos e a explosão de blogs e ativistas anti-opressão, se faz necessário que os que lutam contra toda a forma de opressão e contra a exploração capitalista realizem debates fraternos na perspectiva de construir uma ferramenta que possa organizar todos os que sofrem com esse sistema e possam fazer uma luta revolucionária pela construção de uma nova sociedade sob bases socialistas, onde não haja mais classes sociais, Estado e qualquer forma de submissão e humilhação por grupos sociais, isto é, nenhuma forma de opressão.

Desde as polêmicas charges do Latuff há uma ampla manifestação de concepções de feminismo e de qual o papel dos homens na luta das mulheres, assim como, agora frente as declarações lamentáveis de militantes do PSTU, novamente se retomam um dos debates mais antigos e talvez um dos mais importantes entre o movimento revolucionário, a relação intrínseca do combate às opressões e a revolução. Em outras palavras a estratégia dos marxistas revolucionários do comunismo.


Parte I

Os movimentos anti-opressão e a história dos partidos comunistas

Boa parte do Movimento LGBT ainda hoje reproduz que o início da luta contra a repressão sexual se iniciou em 1969, com a grande Revolta de StoneWall. Mas o que poucos sabem é já em 1862, na sede do maior movimento socialista e de maior influência mundial antes da Primeira Guerra Mundial - Alemanha - o partido Social Democrata (dando origem a II Internacional) foi o primeiro partido em toda a história a se manifestar contra a perseguição aos homossexuais. Jean Baptiste Von Schweitzer que passeava no parque junto ao seu companheiro foi preso por duas semanas e foi expulso de sua profissão de advogado por ser homossexual.

August Bebel, um dos dirigentes do Partido Social Democrata Alemão denunciava "Mas os senhores não fazem ideia de quantos homens respeitosos, honráveis e valentes, inclusive de alto escalão, são levados ao suicídio anos atras anos, alguns por vergonha, outros por medo de um chantagista". 

Anos após isso, em 1885, a prisão de Oscar Wilde abriu novamente este intenso debate no movimento revolucionário. Ainda sem um movimento homossexual ou de liberação sexual (ou ainda o nosso atual Movimento LGBT), foi novamente a ala a esquerda do Partido Social Democrata que se manifestou em defesa de Oscar Wilde, com figuras importantes como Karl Kautsky e Eduardo Bernstein. Este último escreveu um longo artigo em defesa do escritor, recusando a visão naturalista da sexualidade, afirmando que "O argumento que [os homossexuais] são anti naturais, não diz nada. Pois é anti-natural assim como a capacidade da escrita. A relação entre natural e anti-natural está, de fundo, relacionada com o desenvolvimento da sociedade" depois continuava "as atitudes morais são fenômenos históricos (...) As relações sexuais entre indivíduos do mesmo sexo e tão disseminadas que não há etapa da história da humanidade que se possa dizer que esteve livre desse fenômeno".

Foi então em 1917, que as mulheres foram as primeiras a tomar o céu por assalto e derrubar toda a sociedade organizada a serviço de uma minoria e conquistar o poder para o conjunto dos trabalhadores e camponeses pobres. Foi na revolução russa que se conquistou os direitos mais elementares e mais avançados que até nos dias de hoje, nos países mais desenvolvidos, onde a democracia é utilizada como "modelo" de avanços do sistema capitalista não se pode encontrar. Para as mulheres não apenas se foi conquistado salario igual, o direito ao divórcio, o direito ao aborto, educação sexual nas escolas, mas também lhes foi tirada a obrigação com as tarefas domésticas, buscando garantir a maior participação nos espaços publico das mulheres, num difícil combate a opressão milenar do patriarcado que apenas há alguns séculos havia se fundido ao capitalismo.

Se é certo que a questão racial não foi um grande tema de debate na própria Russia, por uma questão da própria realidade russa, um dos principais lideres da Revolução Russa e a única verdadeira oposição a política stalinista desde seus princípios, Leon Trotsky foi todavia muito atencioso a este debate. Com um internacionalismo principista, nunca pode deixar de olhar a situação do povo negro no capitalismo mundial. Exigia do Partido Socialista dos Trabalhadores (SWP, sigla em inglês) dos Estados Unidos informes sobre a situação dos negros no país e a política anti-racista do partido como condição para que pudessem intervir nos congressos internacionais da IV Internacional, uma das expressões da hierarquia que este dava para este combate tão decisivo e inseparável da luta de classes, das tarefas da revolução e mais importante da sociedade comunista que dedicou sua vida inteira para construir.

Essa tradição deixada pelo comunistas revolucionários não é um patrimônio apenas dos marxistas, mas de toda a classe operária e dos setores oprimidos que antes das décadas de 60/70 não haveria possibilidade de separação. A luta das mulheres, dos LGBT e dos negros não poderia ser desassociada da luta do conjunto do movimento operário, não apenas por sua intima relação de cumplicidade contra seus inimigos (Estado, polícia, burguesia), mas também porque no interior do movimento operário sempre existiram as mulheres (negras e depois as brancas), os homossexuais e os negros (que seguem hoje nos postos de trabalho mais precários, como a terceirização).

A separação entre os movimentos sociais e o movimento operário: duas faces do neoliberalismo

Com o stalinismo sendo divulgado como "socialismo real" e o fim do crescimento econômico dos 60/70, surgiram muitos movimentos anti-opressão, feminismos questionadores do feminismo clássico (majoritariamente branco, heterossexual, não-trans e europeu), o movimento pela liberação sexual (que não se pautava apenas nas relações homoafetivas, mas questionavam a repressão capitalista sobre o direito da livre sexualidade e a livre construção da identidade de gênero) e o intenso movimento negro que se articulava em diversos países. Em muitas "ondas" foram testadas diversas estratégias desde a luta pela inclusão dos setores oprimidos na ordem vigente via ingressão no parlamento burguês até a luta pela construção de uma contracultura paralela ao capitalismo.

No fim dos anos 80 e inicio dos anos 90 com a restauração do capitalismo na antiga URSS e nos Estados operários burocratizados europeus foi dada a largada de um bombardeio de ideologia burguesa de que o "capitalismo triunfava" a disputa histórica entre capitalismo e socialismo. Combinada a epidemia da AIDS que desarticulou o movimento pela liberação sexual assim como a disseminação de ideologias como "a democracia racial" e a de que as mulheres haviam conquistado a igualdade perante aos homens, se anunciava um período que chamamos de "equilíbrio capitalista" com fortes ataques ao conjunto da classe trabalhadora, com a precarização do trabalho (terceirização) se generalizando ao conjunto do mundo e mais humilhações para os setores oprimidos.

Os movimentos sociais perderam seu caráter anticapitalista, buscando cada vez mais arrancar suas demandas pela via da pressão ou da inserção dentro do sistema capitalista (elegendo mulheres, negros e LGBT para a presidência e outros cargos parlamentares) enquanto o movimento operário seguiu longos anos abaixo de uma direção aliada aos governos e aos patrões que adotaram um calendário de lutas apenas pelas demandas econômicas/salariais buscando apagar da cabeça o poderoso potencial de sujeito revolucionário que carregam consigo os trabalhadores. Nesta deriva estratégica, é quando nos encontramos hoje, com um aprofundamento da fragmentação dos movimentos de oprimidos (onde cada setor oprimido existe em seu próprio movimento), com forte sectarismo a construir uma única ferramenta que generalize e universalize as nossas demandas para criar força material (militância) para derrotar nossas inimigos.


Parte II

A esquerda tradicional brasileira, o anti-partidarismo e as concepções interseccionais

Com todo esse panorama histórico, surge uma pergunta para qualquer oprimido ou militante de esquerda sincero: e a esquerda, o que fez enquanto a isso? Para que se preparou? A resposta se esclarece quando olhamos para Junho do ano passado e perguntamos novamente Que papel a esquerda cumpriu?

Infelizmente, é preciso definir que a esquerda no Brasil não passou a prova da luta de classes. Durante todo o ano passado, a atuação da esquerda não serviu para aprofundar um polo operário e socialista no país que pudesse tomar nas suas mãos - enquanto classe - as demandas populares que tomaram as ruas em Junho e Julho. Não foi a esquerda, também, que pôde nas eleições deste ano fazer ecoar as greves importantes que tiveram e as manifestações contra as mortes de LGBT, de negros e de mulheres (sejam estas por violência ou pelo aborto clandestino). São provas que a esquerda não se preparou nestes 30 anos para intervir na luta de classes à serviço da vitória dos trabalhadores e dos setores oprimidos.

Os movimentos sociais que são desconfiados com a esquerda, não são por essência oportunista ou de direita, como são intitulados pelos que nada se comprometem com a revolução. São desconfiados justamente porque a esquerda não deu provas o suficiente para que se pudesse confiar. Sua adaptação ao atraso subjetivo que sofre hoje o movimento operário, faz com que essas organizações não pautem na base das categorias que dirigem sindicatos ou atuam como frações com suas correntes sindicais a luta das mulheres (como a luta pelo direito ao aborto), a luta do povo negro (a luta contra a polícia assassina) e a luta dos LGBT (pela livre construção da sexualidade e da identidade de gênero). Todavia, há um debate muito mais longo dos que se iniciaram agora, sobre a necessidade de partido e o direito de organização dos trabalhadores, direito esse que foi arrancada com a morte e o sangue de muitos que lutaram contra a ditadura, contra sua exploração e contra sua opressão. É possível derrotar a classe burguesa, seu exército, seu Estado e seus poderosos aliados de maneira desorganizada? É possível derrotar o capitalismo pela via da contra-cultura ou do boicote? Cientificamente, a história demonstrou que não.

Mas então, porque os movimentos sociais interseccionais que reconhecem a luta anticapitalista e inter-relacionam todas as opressões hoje não caminha para a construção de um novo partido revolucionário que sirva de ferramente para todos os oprimidos e explorados para derrubar esse sistema de misérias e colocar em pé um mundo livre e verdadeiramente igualitário? Porque há ainda nestes movimentos diferenças importantes com os marxistas. E não é de hoje que discutimos no interior de nossos movimentos sobre as diferenças que temos com o feminismo radical, os Queer, as transfeministas, o feminismo negro e os movimentos pós-modernos.


Protagonismo/Empoderamento, Auto-organização, e a relação entre exploração e opressão

Se é correto dizer que não há marxismo sem a bandeira das mulheres, dos LGBT e dos negros e negras, também se é correto dizer que atuamos em todos esses movimentos numa disputa de estratégias para buscarmos nossa libertação. Nós, marxistas, não somos contrários aos movimentos autônomos de mulheres, LGBT e negros. Não nos opomos ao surgimento do movimento transfeminista tampouco do feminismo negro. Não queremos ditar ou impor (mais do que já faz o Estado e todo o regime burguês - seja "democrático" ou ditadura) aos setores oprimidos como devem se organizar e que bandeiras levantarem. Porém, tampouco, estamos alheios a estes movimentos. Somos marxistas homens, mulheres, travestis, transexuais, LGBT, heterossexuais, brancos e negros. Somos oprimidos e marxistas. Somos trabalhadores, intelectuais e também marxistas. Portanto, atuamos nesses movimentos e também sofremos com o sistema capitalista, cada um com a sua especificidade.

Trotsky uma vez polemizando com o SWP norte americano dizia que se os negros e negras num processo revolucionário decidissem que queriam criar seu próprio Estado apenas com seus iguais, que o partido revolucionário não moveria nenhuma ação contrária a esta formação. Mas todos os negros e negras do partido, que defendiam a mesma concepção da revolução permanente, deveriam intervir nestes fóruns debatendo, que a opressão racial que sofriam poderia se dissolver neste Estado, mas que enquanto seguisse a exploração de uns sobre outros, não se alcançaria a liberdade que tanto sonham. Essa clareza política, de respeito aos setores oprimidos de que devem ter o direito a sua auto-determinação não significou concordar e se calar frente a esta decisão, pelo contrário, significou que ainda que nosso partido não possa interferir nas decisões de um povo que foi por séculos escravizado e humilhado e possui o direito a decidir os rumos do seu povo, termos apreendido com a história da luta de classes isso é, a história de luta dos trabalhadores em seus distintos países, em suas batalhas sangrentas, em suas derrotas e nas suas vitórias, nos permite conhecer sobre o capitalismo e sobre o terreno das opressões e entender que a única forma de alcançarmos a emancipação do conjunto da humanidade é pela via da tomada do poder pelos trabalhadores socializando os meios da produção. Portanto, como revolucionários, deveríamos declarar nossa posição. E que os setores oprimidos que confluíssem com essa ideia não poderiam se calar, iludindo os demais que num Estado negro não haveria desigualdades. (Leia mais em: http://www.ler-qi.org/A-questao-negra-na-America)

Portanto, o marxismo revolucionário nunca se opôs ao protagonismo ou o direito de auto-organização dos setores oprimidos. Todavia, é uma diferença estratégica que temos, no âmbito da organização necessária para derrotar o capitalismo. Não achamos que homens, heterossexuais e brancos defenderem e atuarem pelas demandas dos oprimidos seja "roubar o protagonismo", uma vez que entendemos que o discurso hegemônico que é protagonista dos livros didáticos, da televisão, dos meios de radio e comunicação, das revistas é o burguês que esconde a verdadeira história destes setores que são sistematicamente ridicularizados ou submissos a estes meios. Por isso, defendemos que nas fileiras de nosso partido, sejamos um só punho contra todas as opressões e exploração. Para que sejamos mais fortes onde todos os militantes brancos ou negros sejam sensíveis a essas demandas entendendo sua profundidade. Assim nos organizamos, respeitando os espaços que intervimos, como são os encontros de mulheres, negros e LGBT.

Se partimos da relação entre a exploração capitalista e as opressões (que são anteriores a este sistema), teremos de reconhecer que o capitalismo se apropriou de tal maneira que as opressões estão a serviço hoje da dominação burguesa ideológica, física e politicamente sob os trabalhadores. Ainda que não sejam apenas estes que sofram com as opressões. Nessa guerra de classes, onde há apenas duas classes determinantes para a manutenção ou destruição do capitalismo, se faz necessário encarar que o que chamam de "opressão de classe" é na verdade a "exploração" base fundamental da sociedade capitalista. E que não pode ser encarada de maneira a "somatizar" as demais opressões, mas sim, definir as classes sociais - da qual os setores oprimidos ocupam diferentes delas. O que nos faz também ter de reconhecer que há o "Preto da casa", há aquele que assume o poder do principal país imperialista (Obama) e diz que não pode haver "baderna" quando assassinam Mike Brown e Eric Garner, como também tem Dilmas, Katia Abreu, e outras mulheres que não estão ao nosso lado.

Parte III

Sobre privilégios e direitos

Por último, um debate que gostarei de aprofundar num texto a parte, mas não poderia deixar de citar é a constante denúncia dos privilégios que os movimentos de oprimidos fazem, com diversas frases famosas como "Man Teers", "esquerdo-macho", "coisadeomi", etc. Sem dúvida é um debate muito delicado, onde se demonstra as diferenças econômicas, sociais e política existentes numa sociedade machista, racista e homo-lesbo-transfóbica. Porém, também se expressa concepções sobre as opressões e sobre o que seriam os privilégios, os direitos e a estrutura capitalista.

Compreendemos a opressão como uma dominação social de um grupo contra outro, nesse caso, a opressão dos homens sobre as mulheres, dos heterossexuais contra os homossexuais e dos brancos contra os negros. Todavia, as opressões não são as mesmas em todas as sociedades e todos os sistemas econômicos e políticos. No capitalismo, onde nenhuma tendência é levada a última consequência, as opressões se expressam tanto nas relações mais gerais super-estruturais (direitos formais/legais, condições de trabalho, de moradia e de cultura) como também nas relações pessoais, entre indivíduos.

Reconhecer que o Estado é o responsável pela manutenção dessas opressões e de que é o maior assassinado de mulheres, negros e LGBT não pode significar esquecer que há expressões e atitudes opressoras dentro do movimento operário e estudantil. Que os partidos e seus militantes são parte da sociedade opressora sofrendo influência da mesma e que se fortalecem nesse combate tendo uma contra-pressão forte (ideológica e estratégica). Porém, o que seriam os privilégios na sociedade capitalista? O direito ao nosso nome social, a nossa livre construção de identidade de gênero e do livre exercício da sexualidade é um contraponto as pessoas não-trans e heterossexuais? É responsabilidade dos heterossexuais que estejamos invisíveis legalmente para assegurar nossos direitos? São os heterossexuais os inimigos dos LGBT? Assim como seriam os homens das mulheres e os brancos dos negros?

Para o marxismo revolucionário, os privilégios são benefícios que estão intimamente ligados com a exploração e a opressão as massas trabalhadoras, desempregadas e setores oprimidos. É por exemplo, a possibilidade de não ter de viver de salários, mas sim de privilégios como possuem a burocracia acadêmica, estatal e sindical. É o privilégio de poder viver e lucrar com o trabalho alheio como vivem a burguesia, explorando e roubando tudo o que é produzido pelos trabalhadores. Pode-se encontrar em alguns setores do movimento transfeminista um debate que as mulheres não-trans seriam privilegiadas, e recorrentemente sou questionadora de quais seriam estes privilégios que as mulheres possuem. Seria a violência doméstica, os inúmeros abusos sexuais, estupros e assassinatos um privilégios das mulheres? Seria sua sexualidade reprimida, sua identidade de gênero associada ao ambiente familiar, a obrigação com os filhos e as tarefas domésticas, um privilégio? Seria os direitos formais, como direito ao casamento, o direito ao seu nome feminino e o reconhecimento social como mulher um privilégio? Me parece que não há privilégios para as mulheres pobres, negras e trabalhadoras.

"Mas a questão são os homens brancos", dizem outras organizações. Não seria admissível negar o racismo estrutural do Brasil e o patriarcado secular que oferecessem piores condições para se viver. Desde os postos de trabalho, desde a sobrevivência ao gatilho fácil da polícia mais assassina do mundo, desde o padrão de beleza higienista, tudo isso é a mais pura verdade. Não é a mesma coisa ser branco e negro no Brasil (ou no mundo). Assim como há uma diferença discrepante entre a vida das mulheres da dos homens. Porém, são privilégios não ser assassinado pela polícia? É privilégio ter uma "melhor condição" para ser explorado?

Novamente, me parece que não se pode aqui separar a questão de classe desse debate. Se é correto definirmos que existe opressão, que ela se expressa também nas relações individuais (ainda que o Estado seja muito mais responsável) e que ela é fruto da diferença entre indivíduos de grupos sociais distintos, também é correto afirmar que este mesmo Estado capitalista busca iludir a maioria da população com um divórcio fetichista entre a economia da política, da qual nós lutadoras e lutadores, não podemos cair. Os direitos civis assim como as conquistas que arrancamos em cada batalha contra as opressões impostas por este sistema não podem ser apropriadas pelo conjunto das massas populares. Tanto é, que a lei Maria da Penha e a lei anti-racismo são duas expressões de que as leis não passam de letras mortas, papel molhado e um reconhecimento formal do Estado de que há diferenças entre os oprimidos.

Porém seria equivocado encarar que todos os homens, brancos, heterossexuais são "naturalmente" opressores, uma vez que a ampla maioria das massas populares sofrem intensamente com o massacre capitalista, atingidos pela ampla exploração e pelos limites impostos pelo capitalismo que impede que mesmo estes setores não oprimidos por raça, pela orientação sexual, pela identidade de gênero ou pelo gênero possa desenvolver suas potencialidades. É com estes homens, brancos e heterossexuais que precisamos nos unir contra os poucos homens, brancos e heterossexuais e pouquíssimos (raros!) negros, mulheres e LGBT que dominam a sociedade à serviço de seus privilégios, lucros e ganância.

Por isso, é fundamental que os homens, brancos e heterossexuais reconheçam que há uma diferença entre suas vidas e as nossas. Porém, na luta por nossa libertação, temos que buscar aliados entre os que sofrem com a exploração e a opressão contra os nossos inimigos em comum. A estratégia da revolução socialista não separa estes debates, pelo contrário, busca hegemonizar a concepção comum de que todo o comunista é aquele que rejeita qualquer privilégio e se coloca ombro a ombro a combater todas as formas de opressão, porque entende-se que toda forma de opressão é um ataque ao conjunto de nosso movimento, que nos força a dar dois passos para trás. Por isso, nós, travestis, transexuais, homens-trans, negros e negras, mulheres, homossexuais, bissexuais e lésbicas estaremos na linha de frente do combate de toda forma de opressão. E queremos que o conjunto dos trabalhadores, organizados enquanto classe, estejam ao nosso lado na apaixonante luta pela construção de uma sociedade que possa permitir sermos mais do que sonhamos hoje. 

Referências:

1) Blog sobre negra trans burguesa
http://negratransburguesa.tumblr.com

2) Retratação do PSTU
http://www.pstu.org.br/node/21228

quinta-feira, 25 de dezembro de 2014

Os deputados que temos e os que precisamos...

Desde o surgimento do movimento pela liberação sexual, os debates sobre a sexualidade se tornaram debates políticos recorrentes não apenas no âmbito das universidades e da política de vanguarda, mas também temas fortes na política burguesa, em especial nas eleições. Harvey Milk foi o primeiro político abertamente homossexual a ser eleito nos Estados Unidos, na Califórnia, e por isso foi brutalmente assassinado por Dan White, ex-supervisor municipal, que renunciara e desejava voltar ao posto. No dia 27 de Novembro de 1978 em São Francisco, Milk se tornaria um mártir dos movimentos por direitos humanos e LGBT. Mesmo após 36 anos, nas eleições o direito a população LGBT ainda segue sistematicamente questionada e ditada como "uma luta por privilégios" polarizando as eleições e a política burguesa.

No Brasil, o deputado homossexual do PSOL, Jean Wyllys, é uma das principais figuras representante dos direitos LGBT na política nacional. Com suas declarações escandalosas em defesa de seu super-salário ou mesmo com sua postura nas eleições deste ano ligando para Dilma Rouself para "negociar os direitos LGBT" e chamando voto crítico "contra a direita" já se demonstra os limites dessa política que diferentemente de Harvey Milk não carrega consigo o simbolo de "StoneWall" e dos intensos movimentos radicais que houveram na década de 60. 

Na Argentina, os deputados do Partidos Socialista dos Trabalhadores (PTS) que integram a Frente de Esquerda e dos Trabalhadores atuam no parlamento denunciando o governo, a burocracia sindical e atuando para desmascarar que o Estado está "acima das classes", muito pelo contrário, demonstrando a partir da organização da base dos trabalhadores que este Estado existe para garantir os negócios de toda a classe burguesa e portanto não se pode ter ilusões nestes eleitos que são financiados pelas grandes empresas nacionais e imperialistas. No vídeo abaixo, Christian Castillo, dirigente nacional do PTS intervem no parlamento pela incorporação das pessoas trans no mercado de trabalho, com um projeto de lei contrapondo a linha do governo Kirchner de lutar por um miserável "subsidio" às pessoas trans que seguem descriminadas no mercado de trabalho, mesmo completamente capazes para ocupar estes postos de trabalho.



Os partidos de esquerda tradicional PSOL e PSTU devem colocar seus mandatos a serviço da luta de classes e a denunciar e questionar a situação de precarização da vida dos setores mais oprimidos da sociedade. É preciso utilizar os projetos de lei para politizar internamente os locais de trabalho, para que os trabalhadores sejam cada vez mais sujeitos políticos dos principais temas nacionais e das discussões veladas que ocorrem dentro do parlamento. Seguir o exemplo de parlamentarismo revolucionário que dão os deputados da Frente de Esquerda é colocar a pauta dos LGBT de maneira a questionar profundamente os lucros das grandes empresas e também o silêncio dos governo.

Nós LGBT não podemos seguir reivindicando parlamentares que ainda que pautem nossas demandas, sejam os primeiros a propor projetos como Gabriela Leite que regulamenta a cafetinagem e criam condições mais gerais à manter dezenas de milhares de mulheres, travestis e transsexuais à prostituição compulsória, sem combater a descriminação nos locais de trabalho. E ainda por cima, diz que até 50% dos lucros sob a exploração sexual não significaria "exploração" abandonando qualquer leitura marxista, onde nosso suor e nossa força de trabalho já são maneira de nos explorar, uma vez que tudo que produzimos nos é roubado em troca de um salário de miséria. Uma vez que é o nosso trabalho que move o mundo e que garante os lucros exorbitantes dos patrões e toda a classe burguesa que garante privilégios as burocracias estatais, acadêmicas e sindicais.

Por isso, lutemos pela construção de um partido verdadeiramente revolucionário que atue no parlamento como um meio de denunciar a podridão deste regime, que construa projetos de lei para legalizar a organização e as discussões políticas nos chãos de fábrica, dentro dos locais de trabalho e de estudo e coloque os trabalhadores na linha de frente pela transformação social. Este é o partido e os parlamentares que precisamos.

Prefeitos do ABC falam sobre o aumento da tarifa e gratuidade escolar

Nós do grupo de mulheres Pão e Rosas e a Juventude ÀS RUAS estivemos para denunciar que esse consórcio não é a casa do povo, mas o comitê de negócios entre os empresários e as prefeituras, que visam apenas o lucro dos patrões contra os trabalhadores! Assista o vídeo e entenda o que os prefeitos chamam de "Passe Livre". Seguiremos a luta pelo transporte estatizado sob o controle dos trabalhadores e usuários.





sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

VÍDEO: Nahuel fala sobre ex companheira Trans Tamara de MadyGraft


Nahuel trabalhador da fábrica ocupada Madygraf (ex-Donelley) na Argentina conta sobre trabalhadora trans, Tamara, que deixou a fábrica poucos dias antes de ser ocupada pelos trabalhadores e colocada a funcionar sob gestão operária. Nessa experiência se encontra o potencial da classe operária de no movimento de sua luta contra a exploração do trabalho se coloca como sujeito revolucionário combatente de toda forma de opressão. É com esse fato exemplar que segue minha fé pela humanidade, pela transformação social e pela classe trabalhadora.




"A companheira Tamara, sim... Eu já havia comentado que para nós foi uma mudança muito importante para nossa cabeça, não? Pois se rompeu com o machismo que estava adentro, com esse laço de discriminação, ao ver a mulher como um objeto. Então, nós a teniamos como companheira Tamara, conseguimos para ela um vestiário e uma ducha para que sentisse comoda. E sobre todos os companheiros. todos a respeitavam e a tratavamos como uma amais. Era uma companheira muito valiosa, quando se foi... porque a chamamos para que voltasse, mas ela nos explicou que ela tinha um projeto com sua companheira...dissemos que se amanhã precisasse de uma ajuda ou voltar a fábrica que a porta da fábrica estará aberta para ela..." (tradução livre).

sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

Virgínia Guitzel: Sim, eu existo

Virgínia Guitzel: Sim, eu existo


Hoje começa o XII Encontro Nacional de Diversidade Sexual (ENUDS) em Mossoró, Rio Grande do Norte. Com uma grande denúncia difundida nas redes sociais, Virgínia Guitzel, militante do grupo de mulheres Pão e Rosas e também redatora do Jornal Palavra Operária que estaria na mesa de abertura do evento denuncia a empresa AVIANCA por transfobia após a empresa se recusar a aceitar seu nome social e assim impedir seu embarque e a participação no Encontro. Escancarando as diversas dificuldades e constrangimentos de ser travesti no Brasil.
Nos contou Virgínia que "No dia Internacional dos Direitos Humanos, fui impedida de retirar minhas passagens para Fortaleza para participar do Encontro Nacional Universiário de Diversidade Sexual. A empresa AVIANCA com uma atitude completamente irresponsável com os direitos humanos, sem nenhuma política de afirmação da identidade de gênero e respeito as pessoas TRANS* argumentaram que meu nome estava errado e aparentemente eu não existia. É assim que a empresa se respalda num Estado homo, lesbo transfobico que ignora que existem diferenças concretas na vida das pessoas LGBT das população heterossexual. É com o poder da lei que está a serviço de manter os acordos com a bancada fundamentalista e o Vaticano que nem mesmo nosso nome é respeitado". Continuou "Não vamos aceitar essa naturalização de desrespeito e de submissão! Sim, eu existo. E não sou apenas uma, somos milhares que não vamos mais aceitar nenhum tipo de discriminação! Queremos o direito ao nosso nome, a uma saúde de qualidade que atenda as nossas necessidades como a hormonização com acompanhamento médico e a cirurgia de transsexualização sem nos tratar como doentes. Os recentes dados apontam, que apenas 12 cirurgias são garantidas pelo SUS por ano!!! Uma máquina que impõem que muitas de nós arrisquemos nossas vidas com silicone industrial e com uso de contraceptivos femininos para existirmos como queremos. Uma realidade que tem que mudar".
Virgínia relatou "O que mais me deixa indignada é que a empresa não apenas não quis liberar a passagem, como não se propôs a dar nenhuma solução para esse problema burocrático. Queriam que cancelasse a passagem como se eu fosse errada, para que eu comprasse outra com um nome masculino que não tem nada a ver comigo. Infelizmente, essa não é uma luta apenas contra a AVIANCA, mas contra todo um sistema que constantemente humilha e nos impõem que não tenhamos um lugar nessa sociedade. Querem que sigamos nas ruas da prostituição sem nome, sem registro, sem identidade. Quando morremos, assim como João Donati, Kaique Augusto, Marcos Vinicius, não somos ninguém. Quando Géia Borghi e outras travestis somos assassinadas, nossos algozes fazem de tudo para que não sejamos reconhecidas: raspam nosso cabelo, mutilam nossos seios, nos queimam para desmoralizar nossa liberdade de ser quem somos. A empresa deve se retratar publicamente pela transfobia que desrespeita todas nós travestis e homens e mulheres trans e também mudar imediatamente sua política que ignora o mais elementar dos direitos humanos. Gritamos em alto e bom som: nosso nome SOMOS NÓS QUE DECIDIMOS! Nossos corpos SOMOS NÓS QUE CONSTRUIMOS! E vamos tomar às ruas para que seja aprovada a lei João Nery que se enfrenta com esse burocratismo e todos os conservadores do Congresso Nacional (Feliciano, Bolsonaro, Silas Malafaia) que estiveram durante todo 2013 querendo aprovar a "Cura Gay".
Sobre as políticas públicas do governo, Virgínia comentou: "Dilma gerou muitas ilusões nas mulheres como se fosse uma representante destas na Presidência. Mas seguiu negando em todos os momentos uma bandeira histórica das mulheres: o direito ao aborto. Agora enquanto saem os relatório da Comissão Nacional da Verdade sobre os crimes da ditadura, chora, mas não garante nenhuma mudança. A ditadura militar segue viva na opressão aos LGBT que tiveram seus grupos perseguidos, a homocultura atacada e nossos direitos restringidos. Eramos chamados de "Invertidos e Invertidas", e seguimos sendo tratados como tal. Esse governo não está nem ai para a população LGBT, pelo contrário, não dá um passo para criminalizar a homofobia, muito menos para garantir questões elementares como o direito ao emprego e a saúde, nossa indignação não pode ser apenas contra a AVIANCA, mas principalmente contra Dilma e seus grandes amigos conversadores que seguem sistematicamente dizendo que não existimos e que os crimes de ódio que sofremos não teriam nada a ver com homofobia ou transfobia".
Por fim, concluiu: "Sou redatora de um jornal operário que luta pela independência dos trabalhadores e dos setores oprimidos para arrancar nossos direitos. Denuncio aqui por que esta é uma ferramenta para forjar um movimento LGBT independente da igreja, do Estado e dos patrões. É com indignação que tomamos as ruas em Junho do ano passado e barramos a cura gay e dessa forma que poderemos dar um passo importante aprovando a Lei João Nery para que o Estado tenha que reconhecer que nós - nosso grito de milhares - existimos. Não temos ilusão de que esse Congresso Nacional e o Planalto nos concederão nossos direitos, a política de alianças e manutenção da governabilidade do PT está a serviço da direita retrógrada, racista, machista e homofóbica. Lula e Dilma fizeram acordo com a bancada fundamentalista e o Vaticano na concessão da presidência da Comissão de Direitos Humanos para Marco Feliciano, no veto do Kit anti-homofobia, na criminalização do aborto, na aliança com o PP, partido da ditadura, de Maluf e da família Bolsonaro. Queremos o direito ao trabalho, que os capitalistas nos negam. Queremos o direito a saúde que o Estado nos nega. Queremos uma outra sociedade que devemos construir nos enfrentando com os mesmos inimigos dos trabalhadores: os patrões e seus políticos. Por isso faço um grande chamado a levantarmos uma enorme campanha pela criminalização da homo, lesbo e transfobia e pelo direito à nossa identidade de gênero que, à exemplo dos trabalhadores da USP e dos trabalhadores do Metro, parta dos locais de trabalho e estudo uma mobilização que se posicione contra o machismo e a homofobia para que sejamos, trabalhadores e oprimidos, uma só força contra os patrões e os políticos que os representam".

VÍDEO: DENÚNCIA - AVIANCA em atitude transfóbica impede travesti Virgínia de em...







Há cerca de um mês fui surpreendida pelo ótimo convite a participar da mesa de abertura de um dos principais encontros universitários para debater a temática LGBT. Como parte da minha vida como travesti e integralmente da minha militância revolucionária contra toda forma de opressão e exploração, aceitei o convite como parte de intervir num espaço muito importante que poderá servir para preparar e organizar centenas de LGBT em seus locais de estudo para fazer frente às bancadas fundamentalistas e tendem os acordos do governo de Dilma com Vaticano e setores conservadores que seguem negando os diretos humanos mais elementares como o reconhecimento da identidade de gênero, a livre construção de nossos corpos, o direito ao aborto e de exercemos nossa sexualidade como queremos.

Hoje, há exatos 4 dias antes do evento, tive que lidar melhor com um problema exclusivo de nós que somos ignoradas e silenciadas pelo Estado e os governos que só se comprometem com os interesses capitalistas. Fui informada pela empresa AVIANCA que não poderia embarcar, pois minha passagem estava reservada com meu nome social e que aparentemente eu não existia. Insisti que tenho alguns documentos como: laudos médicos (afinal seguimos patologizadas), crachá do trabalho já que a saúde pública hoje reconhece o nome social, porém como não há nenhuma responsabilidade do Estado de garantir nem ao mesmo o nome social a nível nacional, ou mesmo a elementar aprovação da lei da Identidade de Gênero, nos documentos oficiais é preciso estar em outra fase do tratamento com um processo judicial para garantir que minha vida real se expresse também em meus documentos e registros.

Não há solução. A empresa não pode ajudar, já que segundo eles o nome estava "errado". Questionei se não havia nenhum diálogo ou compreensão sobre a inclusão e o respeito ao nome das travestis e transexuais, uma vez que é extremamente constrangedor o uso do nome de registro. Não há solução.

É óbvio que nos travestis raramente utilizamos os aviões para realizar as viagens. Essa seria minha segunda viagem graças ao evento que arcou com as despesas. Muitas de nós não temos direito a coisas elementares como a saúde e a educação básica, estamos todas com a perspectiva de vida reduzida a 35 anos pela violência, que muitas vezes é política de estado.

Não estar nessa atividade é uma das tantas privações que o capitalismo reserva as pessoas TRANS*. Não ficaremos calados a nenhuma delas! Pois a cada uma dessas, organizaremos milhares para alcançar a igualdade na lei, sem esquecer o grande caminho que teremos de trilhar até essa igualdade se estender a vida. E a vida se estender a plena realização das potencialidades humanas, o que só poderá ser dar com a derrocada do sistema capitalista.

Pela aprovação da lei de identidade de gênero já!

Pelo direto a construção de nossos corpos e nossa sexualidade!

Pela separação da igreja do Estado! Fim de todos os acordos entre Brasil e Vaticano!

Por um governo dos trabalhadores que garanta a saúde e trabalho de qualidade para todos!



quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

VÍDEO: Andrea D'Atri no ato do PTS / Fala completa



 






Aqui me acompanham dirigentes operárias de nosso partido,
junto às indomáveis mulheres de LEAR, a comissão de Mulheres da Donnelley,
trabalhadoras da alimentação, da indústria textil, aeronautas, telefonistas,
funcionárias públicas, do transporte, professoras, da saúde, estudantes
secundaristas e universitárias, companheiras da cidade de Buenos Aires, e
também da grande B.A., Salta, Jujuy, Tucumán, Mendoza além de companheiras e
companheiros do movimento de lésbicas, gays e transexuais.

Com elas e eles, mas também com muitas e muitos de vocês
compartilhamos importantes batalhas na luta por nossos direitos este ano.
Nos mobilizamos e travamos uma grande luta política no
Encontro Nacional de Mulheres contra o pacto do governo com o Vaticano que
terminou com uma reforma reacionária do Código civil, que outorgou à igreja um
status jurídico privilegiado e impôs um novo obstáculo à nossa luta pelo
direito ao aborto. Dissemos “Basta que o governo e a Igreja decidam por nós!
Separação da Igreja do Estado!”

Também acompanhamos nosso deputado Nicolás del Caño quando
interpelou o chefe do Gabinete no Congresso, denunciando o pacto do
kirchnerismo com o PRO, em não tratar do projeto de lei da Campanha Nacional
pelo Direito ao Aborto que com dez anos ainda não apresenta resultados.
Frente ao horror dos brutais feminicídios, que tiram a
vida de uma mulher a cada 30 horas, assassinadas pela violência machista,
gritamos bem forte: “Se tocam uma nos organizamos em milhares!” Mas também
denunciamos que o maior feminicídio quem comete é o Estado, ao condenar as mais
pobres às conseqüências letais do aborto clandestino. 300 mulheres jovens
morrem a cada ano por esta causa!

O kirchnerismo votou há dois anos, às pressas, uma lei
contra o tráfico de pessoas quando éramos milhares nos manifestando, em muitas
cidades do país, contra a injustiça que deixou livre os sequestradores de
Marita Verón. Mas não esquecemos que, também rapidamente, aprovou aumentos descomunais
à polícia corrupta que está envolvida em todos os grandes delitos e fazem
parte, dão cobertura, são proxenetas ou clientes destas redes de tráfico.
O kirchnerismo festeja cinicamente sua “década ganhadora” em
cima do desemprego, ao passo que mandou todos estes meses a polícia federal para
reprimir as famílias que enfrentaram as demissões. E também mantém as condições
de flexibilização trabalhista imposta pelo menemismo, aonde metade das mulheres
que trabalham estão precarizadas.

Nesta nova aliança com o Vaticano, o kirchnerismo parece que
esqueceu da cruzada do então cardial Bergoglio contra o casamento igualitário,
da mesma maneira que “esqueceu”, há mais de dois anos, de regulamentar o pleno
acesso à saúde pública que se corresponde por lei às pessoas trans.
Muito menos é capaz de resolver a inclusão destas pessoas no mercado de
trabalho, como se propõe o projeto de lei da Frente de Esquerda. Por isso
marchamos no Dia do Orgulho e lutamos pela liberdade sexual e contra a
discriminação de lésbicas, gays e transexuais.

E a oposição que também comunga com o Papa, que também
é antioperária, que é homofóbica e reacionária, agora que o kirchnerismo
terminou de roubar sua agenda direitista (e, digamos, frente à passividade
obediente de sua ala progressista), não tem com o que diferenciar-se… Desta
casta política clerical, que administra o negócio dos capitalistas, as mulheres
e a comunidade gay, lésbica e trans não devem esperar nada!

Pão e Rosas e o Partido dos Trabalhadores Socialistas,
enquanto uma força política conseqüente na luta pelos direitos democráticos,
que trava estas batalhas nos locais de trabalho, contra as patronais, nos
sindicatos contra a burocracia sindical; nas ruas, contra o governo e suas forças
repressivas; no Congresso e nas Legislaturas, com nossos deputados e deputadas;
estamos convencidos e convencidas de que, dificilmente poderemos quebrar a
férrea unidade direitista do governo, a oposição e o Vaticano, se não
redobrarmos os esforços para por de pé um movimento de milhares de mulheres e
milhares de lésbicas, gays e transexuais, com independência do governo e da
oposição patronal, confiando somente em nossas próprias forças e nossa
mobilização para arrancar desta degradada democracia dos ricos, todos os
direitos que nos permitam atenuar nosso sofrimento e limitar suas injúrias.

Estamos na primeira fila da luta pelos direitos
democráticos, mesmo sabendo que sob este regime social de exploração e miséria,
nem sequer os mais mínimos direitos que arrancarmos com nossa luta, estarão
garantidos de uma vez e para sempre. Frente a cada solavanco das crises
econômicas, políticas ou sociais, vemos como recortam nossos direitos.

E somos conscientes de que enquanto não rompermos
definitivamente as correntes da exploração que escraviza milhões de seres
humanos e sobre as quais se mantém e sustenta este regime social de miséria,
desigualdade e humilhação, nem as mulheres nem nenhum outro grupo social
oprimido alcançarão sua emancipação definitiva.

Por isto, é necessário construir uma esquerda da classe
trabalhadora, a única classe que pode fazer voar pelos ares a ordem de miséria
e morte dos capitalistas, seu Estado e suas instituições a serviço de garantir
a exploração e a opressão; a única classe social que, fazendo-se eco de todos
os abusos e violências que impõem o capitalismo, pode encabeçar uma aliança com
os setores mais atingidos, para derrotar este regime de desigualdade.

É necessário construir um partido que levante nossas
demandas na única perspectiva realista para a emancipação da humanidade: a
perspectiva de atacar o poder dos capitalistas com uma luta revolucionária, por
um governo da classe trabalhadora e pelo socialismo internacional.
Como disse a grande revolucionária Rosa Luxemburgo,
“queremos uma nova sociedade e NÃO estabelecer algumas modificações
inessenciais na antiga sociedade que nos escravizou”. Sim. Uma nova sociedade,
onde se tenha liquidado a exploração do trabalho assalariado e o fardo do
trabalho doméstico, esta jornada extra de trabalho gratuito que hoje
recai majoritariamente sobre as mulheres. Uma nova sociedade na qual
conquistemos o tempo livre para a expansão da nossa criatividade, e em que
homens e mulheres, heterossexuais, lésbicas, gays e transexuais, velhos e
jovens vivam as suas diferenças em igualdade, livres de toda opressão.

Por isto, da nossa perspectiva, a luta pela emancipação das
mulheres não é um combate no qual participam apenas as mulheres; nem a luta
pela libertação sexual é uma luta apenas das lésbicas, dos gays e das pessoas
trans. É parte da luta da classe trabalhadora, contra o machismo, o
sexismo e a homofobia, como também contra o nacionalismo, a xenofobia e outros
preconceitos impostos pela burocracia sindical, para dividir-nos e manter o
domínio dos capitalistas e de seu Estado.

Estamos orgulhosas da esquerda que estamos construindo, aonde nossos
companheiros operários não lutam somente pelo seu aumento salarial, contra as
demissões, por arrancar os sindicatos da burocracia, mas também por desalojar
estes preconceitos reacionários das próprias fileiras de nossa classe.

Como dizia Leon Trotsky, “Se na realidade queremos
transformar a vida, temos que APRENDERhttp://cdncache1-a.akamaihd.net/items/it/img/arrow-10x10.png à
vê-la através dos olhos das mulheres” e eu complemento... e de todos os mais
oprimidos entre os explorados. Convidamos a todas e todos vocês a fazer suas
esta perspectiva, a ver a vida com estes olhos. É a única perspectiva que faz
com que esta vida miserável à qual fomos condenadas e condenados pelo capital,
valha a pena ser vivida.

Viva a luta das mulheres pela sua emancipação!

Viva a luta internacional da classe operária!

Viva o partido mundial da revolução socialista!



sábado, 29 de novembro de 2014

Virgínia fala sobre o ato por Justiça para Marcos Vinícius no dia 19/11


26 NOV 2014   | No último domingo ocorreu o ato por Justiça e Investigação para o caso de Marcos Vinicius, jovem homossexual (19), esfaqueado no Ibirapuera, point LGBT de São Paulo. Convocado por diversos grupos LGBT, a Setorial LGBT da CSP-Conlutas, Sindicato dos Metroviários de São Paulo e agrupações de Juventude ligadas ao PSOL (RUA e Juntos), estivemos nós da Juventude Às Ruas junto a uma delegação de trabalhadores do Movimento Nossa Classe.




Virgínia Guitzel, trabalhadora da saúde mental e militante da Juventude Às Ruas relatou: "Com dezenas de jovens fechamos por mais de duas horas um dos portões do parque mesmo com chuva para exigir justiça para Marcos Vinícius e todos os assassinados por homofobia e transfobia. Denunciamos o governo Dilma que é responsável pelo aumento da bancada evangélica e dos setores conservadores com suas alianças sujas com Vaticano, Feliciano que presidiu a comissão de Direitos Humanos e agora indicou Katia Abreu para Ministra da Agricultura. E exigimos que os familiares e amigos da vítima, assim como as organizações de luta LGBT, direitos humanos, sindicatos e entidades estudantis participem da investigação para garantir transparência, analisar e averiguar as provas e laudos oficiais".

Em seguida, explicou: "Pois como lembrávamos, não é a primeira vez que viemos às ruas para garantir justiça. Kaique Augusto que foi brutalmente torturado e assassinado na cidade de São Paulo no início do ano, com os dentes arrancados e uma barra de ferro atravessada em sua perna, a polícia decretou suicídio. Fomos às ruas e nosso movimento recusou essa falsificação. Não confiamos no Estado, suas leis e polícias para garantir justiça, por isso para desmascarar esse Estado que nem sequer reconhece a existência da homofobia e sistematicamente se recusa a votar uma lei que criminalize os ataques, agressões, discurso de ódio e assassinatos contra a população LGBT, exigimos nossa participação para expor o quão estrutural é essa opressão que o próprio Estado reproduz".

Sobre a delegação de metroviários que na última semana tomaram os grandes jornais, blogs LGBT, com milhares de compartilhamentos nas redes sociais com sua ampla campanha contra a homofobia em solidariedades ao companheiro Danilo (metroviário) e seu namorado que foram agredidos por 15 homens dentro do Metrô de São Paulo, Virgínia comentou: "A campanha de fotos dos metroviários de São Paulo emocionou muitos LGBT de todo o país. Em meio a tanta polarização sobre o tema, com Levi Fidelix, Bolsonaro, Feliciano e tantos outros seguiram sua campanha para mais mortes e agressões aos LGBT. Já sem muita alternativa, devido ao que é hoje o movimento LGBT brasileiro, os metroviários em sua campanha demonstraram para milhares que receberam sua mensagem que existe um caminho para combater toda forma de opressão. Entre as coisas mais emocionantes, uma coisa não saiu da minha cabeça ’imagine se no meu local de trabalho e de estudo, se onde nós LGBT trabalhamos, houvesse uma resposta tão profunda?’".
 
Continuou: "Mas os metroviários sairam da tela do computador e dos celulares modernos e participaram do ato junto conosco. Recuperaram assim uma das peças chaves que o movimento LGBT precisa se encher de orgulho, a tradição da aliança da classe trabalhadora com os setores oprimidos na luta independente da igreja, do Estado e dos patrões por uma vida digna".

Virgínia concluiu: "Voltaremos às ruas quantas vezes for necessário para garantir justiça para todas as vítimas da LGBTfobia. Para isso, é preciso em cada local de trabalho e de estudo dar as batalhas necessárias para que o conjunto das categorias e dos estudantes tomem para si essas demandas. Reafirmamos o chamado a esquerda, em especial PSTU e PSOL, que dirigem importantes sindicatos e entidades estudantis, como o DCE da USP, a mobilizar sua base para construir ações massivas que possam desenvolver pela mobilização independente uma saída de fundo para as opressões. Ao PSOL, fazemos um chamado especial, frente ao seu resultado eleitoral e a defesa feita pela candidata a presidência, Luciana Genro, exigimos que coloquem seus mandatos à serviço da luta dos trabalhadores e dos setores oprimidos, rompendo com as defesas ao PT como vimos no segundo turno, por uma das principais referências LGBT, Jean Wyllys. Lutaremos para que não apenas haja liberdade para nosso exercício da se sexualidade e construção da identidade de gênero, mas as condições necessárias para que se possa ser, construir e desenvolver em toda linha nossas potencialidades humanas. Que como primeiro passo é organizar um movimento de centenas de milhares pela aprovação imediata da Lei João Nery (lei que garante o direito e o reconhecimento da identidade de gênero) e pela criminalização da homofobia para com maior igualdade lutarmos contra o capitalismo que nos impõem ao conjunto da humanidade a miséria das relações, da sexualidade e de nossa livre expressão do ser”.

segunda-feira, 24 de novembro de 2014

Adeus a Revolução Sexual? – O estreito horizonte do movimento LGBT atual

Andrea D’Atri – Especialista em Estudos da Mulher
Celeste Murillo – Comitê de Redação


A Argentina é um dos dezesseis países do mundo – o primeiro na América Latina – que aprovou o casamento entre pessoas do mesmo sexo – ainda que a lei tenha sofrido vários tropeços antes de ser votada no Senado, em julho de 2010, por uma pequena diferença e depois de muitas horas de debate[1].
A crise que começou em dezembro de 2001 – com o surgimento de movimentos de desempregados, assembleias de bairro e fábricas ocupadas por trabalhadores – colocou também as demandas do movimento de mulheres e do movimento LGBT na mesa. A legalização do casamento entre pessoas do mesmo sexo foi uma dessas bandeiras e, em 2012, a cidade de Buenos Aires estabeleceu o regime de união civil na sua jurisdição. Logo, inúmeras organizações nucleadas na Federação Argentina de Lésbicas, Gays, Bissexuais e Trans, privilegiaram estratégias jurídicas e parlamentares, limitando a crescente mobilização da comunidade LGBT a pressão pela lei do matrimônio igualitário. Então, o que poderia ter sido um grande ponto de partida para fortalecer a luta LGBT, logo se tornou um teto.
Mas, apesar de suas limitações, o debate da lei não só beneficiou a vida de um setor da comunidade de gays e lésbicas, permitiu sua visibilidade e uma crescente aceitação social da condição da homossexualidade, mas também, além disso, impulsionou um “espírito igualitário” em amplos setores das massas. Os meses em que a lei tramitou no Congresso, a classe trabalhadora e a juventude debateram nas fábricas, escolas e escritórios, enfrentando velhos preconceitos e mostrando que os 70% de aprovação que tinha o projeto não foi uma invenção dos pesquisadores. Dois anos depois a Lei de Identidade de Gênero foi aprovada, lei fundamental para avançar na equidade de pessoas transexuais. Porém, logo ficou claro que a igualdade perante a lei não é ainda a igualdade perante a vida e que, tanto no ambiente de trabalho como no da saúde, ainda persiste a discriminação.
Essas experiências – que merecem uma análise própria, que não é o propósito desse artigo – concentraram, em curto tempo, as lições de quatro décadas do movimento de libertação sexual: demandas, alinhamentos estratégicos e um desvio na cooptação que nos propomos a examinar criticamente.

Stonewall e o surgimento do movimento de liberdade sexual

A radicalização das massas que se estendia desde o final dos anos 60 até o início dos anos 80, se expressou também no caráter anticapitalista sustentada por amplos setores dos movimentos sociais que, nesse mesmo período, questionavam todos os aspectos da vida.
Em meados de 1969, a batida policial no bar Stonewall parecia uma a mais das habituais em Greenwich Village de Nova Iorque, mas desta vez não acabou como sempre: gays, lésbicas e travestis se enfrentaram durante três dias com as forças repressivas dando origem, apenas uma semana depois, para a formação da Frente de Liberação Gay (GLF). Esta coalizão, que reunia pela primeira vez, todas as organizações existentes, logo se espalhou por várias cidades dos EUA e abriu o caminho para a criação de outras agrupações e alianças em muitos países[2].
As barricadas de Stonewall foram um ponto de viragem. Três anos antes, em outro bar de Nova Iorque, havia sido desafiada a proibição do governo em servir bebidas alcoólicas a homossexuais e, em 1967, na mesma cidade, abria suas portas a livraria Oscar Wilde, a primeira do mundo destinada a leitores homossexuais. Mas em Stonewall bastou que uma lésbica, enquanto era arrastada, gritasse à multidão “Por que não fazem algo?” para que a faísca incendiasse o bairro inteiro[3]. Um ano mais tarde, a comemoração organizada pela GLF em Nova Iorque reuniu quase dez mil pessoas. Outras manifestações recorreram às ruas de Los Angeles e São Francisco, e o movimento assumiu a luta pela liberdade dos presos políticos, contra a guerra do Vietnã, contra o racismo, etc.
Nos primeiros anos da década de 70 a homossexualidade foi discriminalizada em quase todos os países do Ocidente, ainda que continuasse considerada uma patologia[4]. Como destaca Carlos Figari:

O movimento homossexual começou a levantar como problemas a considerar na agenda política valores de sua vida cotidiana, tornar público o privado, se auto afirmar como sujeitos homossexuais na sociedade. Este último supunha uma reversão identitária na categoria de interpelação definida como homossexual, que, do termo médico para classificar uma enfermidade passou a ser uma categoria política afirmativa da diferença[5].

As identidades que haviam sido discriminadas e perseguidas se levantavam com orgulho, questionando todas as instituições que reprimiam a sexualidade, buscando novas formas de relacionar-se sexo-afetivamente e desafiando os preceitos morais que os condenava a marginalização. O resultado foi a conversão da rebeldia em política de identidade, para a exigência de maiores direitos. Contudo, essa rebelião, que atravessou fronteiras e gerações, tornou possível que se suscitasse muitas mudanças impensáveis pouco tempo antes para gays e lésbicas.

A “peste rosa”, a reação conservadora e os direitos civis

No final dos anos 70, a direita cristã começou a se organizar contra os crescentes movimentos feministas e de liberdade sexual. Floresceram os grupos “pró-vida” e “pró-família” que sustentaram o modelo de casais heterossexuais monogâmicos e o rechaço ao direito ao aborto. Em 1978, o cardeal Karol Wojtyla assume o papado, que colocou um forte caráter neoconservador à política do Vaticano, não somente na luta “contra o comunismo”, mas também contra a legalização do aborto, que tinha sido alcançado em muitos países, e outros direitos conquistados pelo movimento de mulheres e pelo movimento de libertação sexual. Mas um dos golpes mais duros que a comunidade homossexual recebeu chegou a meados de 1981, quando o Centro para Prevenção e Controle de Doenças dos EUA anunciou o desenvolvimento de alguns casos de pneumonia associado com o sarcoma de Kaposi. A maioria dos enfermos eram homossexuais e morreram em poucos meses, o que foi o suficiente para espalhar o pânico na comunidade gay, que foi estigmatizada brutalmente e que provocou uma verdadeira “caça às bruxas”
Aquela solidariedade que a comunidade homossexual havia conquistado de amplos setores sociais e políticos, começava a se liquefazer ao passo que se estendia a pandemia e a discriminação que surgia dos preconceitos e medo, incutido pela ignorância e os grupos reacionários.
A restauração conservadora, encabeçada por Reagan e Thatcher, com altas taxas de desemprego, privatizações e cortes do gasto público, aumento da espoliação dos países semicoloniais com as dívidas externas e a queda da União Soviética, foi acompanhada pela propaganda reacionária da “peste rosa”, que atuou como disciplinador daquele movimento que, no final dos anos 60, havia emergido questionando a heteronormatividade, a monogamia e a família patriarcal.
Somente em 1987 foi lançado o primeiro programa global de combate a AIDS: levou quase uma década para estabelecer a origem do vírus, descobrir medicamentos para o tratamento da infecção e ter um conhecimento mais preciso sobre as vias de contaminação. Durante toda essa década, o movimento de libertação gay centrou seus maiores esforços na prevenção da infecção, na difusão da informação científica e em ajudar as pessoas infectadas. E junto com esta nova atividade foi adquirindo outra fisionomia: surgem ONGs financiadas por agências internacionais, empresas e diversos organismos estatais. Por exemplo, a Associação Lésbica e Gay Internacional (ILGA), fundada em 1978, multiplica de maneira crescente seus membros em todo o mundo, se convertendo em uma das maiores ONGs, e centra sua atividade nas conferencias mundiais da ONU onde, para 1993, consegue o status de membro consultivo (que perde em 1995 e recupera em 2011 até o presente).
Os fundos internacionais para o “combate a AIDS” deram maior visibilidade e poder aos grupos de homens homossexuais. Lésbicas feministas, negras e de países do chamado “Terceiro mundo”, fizeram ouvir sua voz denunciando a invisibilidade e subordinação das mulheres no movimento de libertação homossexual misto. Também disseram que não se sentiam representadas pelas porta-vozes brancas, de classe média e de países centrais, a quem questionavam suas concepções “essencialistas”. Distintos ativistas do movimento gay-lésbico tem questionado essa contradição, segundo a qual, ao mesmo tempo em que se desenvolvia o movimento a nível internacional, se aprofundava as necessidades de apenas um setor de melhor posição social e econômica que reivindicava por direitos civis, inclusão de novos padrões de consumo e “tolerância”[6].
A institucionalização sob o “flagelo” da AIDS, e as políticas de identidade, questionadas pelos setores mais invisibilizados e subordinados, levaram a crises, rupturas e rachas que levaram a uma reconfiguração do movimento. O caminho que o feminismo atravessou durante essas décadas encontra um paralelo com o movimento de libertação sexual[7]. Por um lado, líderes da comunidade gay se transformaram em uma nova “tecnocracia” administradora de abundantes financiamentos e dedicada ao lobby político nacional e internacional para a regulação e o estabelecimento de legítimos direitos civis, que não questionavam a ordem imposta pelas democracias capitalistas, mas exigiam a inserção nela. Por outro lado, uma pandemia – que não somente afetava aos homossexuais, mas também e fundamentalmente a mulheres heterossexuais de populações vulneráveis, pobres e em sociedades onde prevalecia uma cultura patriarcal – que se tornou a desculpa para lançar ao fogo da discriminação, do desprezo e da marginalização milhões de gays, lésbicas e transexuais, especialmente os mais pobres. Nesses anos, Nestor Perlongher se perguntava sobre essa questão:

...pode-se perguntar até que ponto a assunção da identidade não pode implicar as vezes a domesticação – por via da normatização -, da adaptação a um determinado modelo de certa cotidianidade transgressiva[8].

Como aconteceu também no movimento feminista, a política de identidade –questionada por impor uma homogeneização essencialista que funciona como um disciplinador do grupo que não só descreve mas que também prescreve - conduziu a despolitização do movimento de libertação sexual que se transformou no movimento LGBT, sigla que varia em função de novas identidades dissidentes da heteronorma que vão se configurando e reconhecendo. O que seguiu, foi a política queer, que fez estourar pelos ares as múltiplas identidades para salientar que o mais subversivo era resignificar ou parodiar os gêneros impostos pela hetorossexualidade compulsória e não se ancorar em uma identidade que é sempre coercitiva, normativa e repressiva.
O movimento teve uma deriva equivalente ao que também teve o feminismo; desde as barricadas de Stonewall e a intempestiva intervenção de rua daquelas pessoas que tinham tido negado seus direitos mais mínimos à existência civil, até a intervenção subjetiva, hormonal, cirúrgica ou artística sobre o próprio corpo, para rebelar-se contra a ordem binária dos gêneros que impõem a linguagem e a cultura heteronormativas.
Ali, por fora da própria subjetividade, onde as democracias capitalistas continuam funcionando como um fetiche que esconde, sob a igualdade perante a lei, as mais brutais desigualdades da exploração e opressão que existem na vida, o movimento LGBT se limita a reivindicação de uma maior inclusão que, ao mesmo tempo que é alcançado, domestica suas arestas mais revulsivas[9].

Defender todos os direitos, questionar tudo

Neste cenário, as correntes de esquerda não tem atuado de forma homogênea. Existem correntes que, de forma acrítica, seguem repetindo as demandas dos movimentos sociais se adaptando a seus limites, sem levantar uma perspectiva anti-capitalista e revolucionária para as lutas pela liberdade sexual. Outras tem reproduzido as perseguições mais terríveis de gays e lésbicas dentro de suas próprias fileiras, instauradas pelo stalinismo já nos anos 30, quando estabeleceu que todos os comportamento sexo-afetivos que não se ajustavam a heteronormatividade eram degradações de uma “moral pequeno burguesa” e que esses indivíduos eram mais suscetíveis de ser utilizados como infiltrados pela polícia. Por último, existem as correntes que, com fundamentos sindicalistas e economicistas tem ignorado as demandas legítimas dos setores oprimidos ou considerado “algo secundário”.
No entanto, enraizado na classe trabalhadora, a única classe progressiva da sociedade capitalista, o socialismo revolucionário esteve sempre na vanguarda contra os preconceitos moralistas e reacionários, pagos pela igreja no terreno fértil do atraso camponês. Por isso, os socialistas alemães foram os únicos a repudiarem a sentença ao poeta Oscar Wilde, quando foi perseguido pela sua condição de homossexual no final do século XIX ou, no início do século XX, os bolcheviques – ainda condicionados pelas ideias da época – foram os que eliminaram, durante a Revolução Russa, as leis que criminalizavam a homossexualidade. Exemplos de uma tradição que reagiu diante de todas as manifestações de arbitrariedade, para sintetizá-las na denúncia do capitalismo e explicar, então, a importância que adquire a luta emancipadora do conjunto dos explorados, para todos e cada um dos oprimidos, qualquer que seja o setor ou a classe social a que pertençam.
A partir desse ponto de vista, toda conquista parcial – como a maior equidade em direitos civis – adquire uma importância vital se está colocada em função de fortalecer o movimento na luta radical pela libertação sexual que questione essas instituições com as quais a classe dominante também exerce o seu domínio, impondo sua ordem repressiva no mais íntimo de nossas vidas, em nossas identidades e nossos desejos. Renovadas e mais radicalizadas aspirações para um movimento de liberdade sexual cujo último horizonte não seja o pedido de inclusão em uma sociedade não questionada, mas que se proponha varrer todas as normas que hoje ordenam o que pode ser incluído e o que não pode nesta sociedade, para que a liberdade mais radical deixe de ser uma utopia ou o exercício intelectual e solitário de alguns poucos.

Blog das autoras: teseguilospasos.blogspot.com.ar e andreadatri.blogspot.com.ar




[1] Também existe em alguns jurisdições do México e dos Estados Unidos.
[2] Somente nos EUA, de 60 grupos de homossexuais que havia antes de Stonewall, logo se organizaram 1.500; um ano depois eram 2.500.
[3] Citado em David Carter, Stonewall: The Riots that Sparked the Gay Revolution, Nueva York, St Martin’s Press, 2004.
[4] Durante uma conferência da Associação Norteamericana de Psiquiatria (APA), enquanto se projetava um vídeo sobre o uso de eletrochoque “para reduzir a atração homossexual”, membros do GLF invadiram para denunciar essas “terapias”. Em 1973, APA alterou a classificação da homossexualidade como “desvio sexual” no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais e finalmente, a eliminou em 1986. Apenas em 1990, foi retirada, pela OMS, da classificação internacional de doenças mentais.
[5] Carlos Figari, “El movimiento LGBT en América Latina: institucionalizaciones oblicuas”, en Movilizaciones, Protestas e Identidades Políticas  en la Argentina del Bicentenario de E. Villanueva, A. Massetti y M. Gómez, Bs. As., Editorial Trilce, 2010.
[6] Ver Jules Falquet, De la cama a la calle: perspectivas teóricas lésbico-feministas, Bogotá, Brecha Lésbica, 2006.
[7] Ver D’Atri y L. Lif, “A emancipação das mulheres em tempos de crise mundial”, LINK: http://nucleopaoerosas.blogspot.com.br/2013/08/a-emancipacao-das-mulheres-em-tempos-de.html
[8] Néstor Perlongher, “El deseo de unas Islas”, Prosa plebeya, Buenos Aires, Editorial Excursiones, 2013.
[9] Uma minoria significativa do movimento LGBT questiona, nesse sentido, a reivindicação do casamento igualitário e outras demandas similares.