Virginia Guitzel
Há menos de dois meses das eleições burguesas, já se iniciou
um intenso debate sobre os direitos dos LGBT. O fundamentalismo religioso
representado pela bancada evangélica no Congresso Nacional vem ganhando cada
vez mais espaço e sendo um fator determinante nas principais candidaturas
burguesas. A disputa pelo apoio e votos de setores católicos e evangélicos se
apresentam em detrimento aos direitos mais elementares a população LGBT, assim
como avança em projetos de Lei como foram apresentados no ano passado em ataque
as mulheres e aos negros. Cada vez mais cai a farsa do Estado Laico brasileiro
e se apresenta a democracia degradada da qual a juventude e os trabalhadores já
se cansaram.
Nessa disputa entre as frações burguesas, PT e PSB buscam se
localizar na disputa entre a base evangélica, ainda que o PT tente
demagogicamente conciliar isso com o direito dos setores oprimidos. Com o
recente apoio de Silas Malafaia e Marco Feliciano (ambos do Partido Social
Cristão) à Marina Silva[1],
fica ainda mais evidente como Marina é parte integral da “velha política”
buscando um governo“plural” da qual vai de relações amorosas com o PT até o
PSDB, sem se enfrentar com o avanço dos setores mais reacionários como é a
bancada evangélica e rifa os direitos democráticos por votos e apoio eleitoral.
Dilma, por sua vez, não fica atrás. Na disputa acirrada para ver quem vai
administrar os negócios da burguesia, Dilma segue sua estratégia de
conciliação, buscando favorecer as igrejas evangélicas com a aprovação da “Lei
Geral das Igrejas”[2]
enquanto pela primeira vez diz defender a criminalização da homofobia[3]
(ainda que não proponha votar nada antes das eleições para nada passe de
“promessas de campanha”).
Sem alternativa nas principais candidaturas eleitorais, os
LGBT se perguntam: O que fazer?
As jornadas de Junho lutavam contra o avanço das bancadas reacionárias que querem permitir PT, PSB E PSDB
No início de 2013, vivenciamos a chegada de Marco Feliciano
(pastor evangélico, do Partido Social Cristão, PSC) na Comissão de Direitos
Humanos (CDHM), o que gerou muitos debates e um olhar mais atento da população
a intromissão das religiões – e seus representantes – na política nacional. É
um fato, que não começou no ano passado essa relação, já desde 2008 com o
“Acordo Brasil-Vaticano” assinado pelo ex-presidente Lula e depois reiterado
por Dilma, o nosso país concede isenções fiscais as igrejas e o ensino
religioso nas escolas. Porém somente no ano passado, esse questionamento
tomaria proporções massivas, em meio a Jornadas de Junho, a luta contra os
projetos de leis como Cura Gay[4]
e Bolsa Estupro[5]
coloriram as ruas de todo o país com cartazes e faixas.
Hoje, um pouco mais de um ano das jornadas de Junho, as
eleições chegam na ordem do dia tentando abafar os gritos de Junho, uma vez que
as reivindicações não foram atendidas e é preciso pensar como descarregar os
primeiros impactos da crise sob os trabalhadores, utilizando as opressões como
um recurso de dominação importante para que sejam os primeiros a pagar estes
custos (com redução de direitos, mais precarização do trabalho, desemprego,
etc).
Enquanto preparam um novo ajuste à classe trabalhadora, mais
uma vez os direitos das mulheres, dos negros e dos LGBT se apresentam como uma
moeda de troca para conseguir mais aliados e votos. Os três principais candidatos
– da burguesia - por sua vez, não podem oferecer nenhuma grande transformação,
ou “a nova política”. Mesmo que após a morte de Eduardo Campos, Marina Silva tenha
se tornado uma nova carta desse jogo de interesses. Por outro lado, o pastor
Everaldo ainda que não ofereça nenhuma chance de concorrer a presidência, marca
presença de um importante setor conservador da qual os demais candidatos terão
de dialogar para seguir administrando este sistema de opressões e exploração.
Recentemente, muito tem se comentado em diversos meios
midiáticos e virtuais sobre a alteração do programa de governo de Marina Silva[6],
e as falsas promessas a população LGBT. Abre-se então, no movimento LGBT e em
setores amplos da sociedade um interessante debate, onde os revolucionários
precisam se manifestar.
Por trás da luta
pelos “direitos civis”, se escancara os limites da democracia burguesa
Os LGBT passaram a ser considerado eleitorado importante
após o fortalecimento do Pink Money (mercado rosa, especifico para LGBT), as lucrativas
Paradas Gay sob as mãos de grandes empresas e casas noturnas, com a
incorporação deste setor à ordem capitalista, retirando os aspectos subversivos
que tinha na década de 60 e se aproveitando da deriva estratégica do movimento
LGBT que já não é mais anticapitalista. Sob esses interesses, de inserir para
dominar, nestas eleições oferecem “direitos sociais” amontoados no falso Estado
Laico e na incompleta oferta de condições de vida.
Por outro lado, o enorme peso que vem ganhando as bancadas
religiosas e o eleitorado evangélico ainda que não superem o peso
historicamente católico de nosso país, fortalece com que essas poucas ofertas
de direitos sejam retiradas, como ocorreu no programa de Marina Silva, onde
agora tenta justificar[7].
É nesse vai-e-vem dos nossos direitos que podemos ver
claramente que a preocupação de todos esses políticos é administrar a máquina
do Estado para gerir os negócios milionários. Atuam oferecendo alguns “direitos
civis” (ou retirando logo em seguida de seu projeto de governo) como o
casamento igualitário, a criminalização da homofobia, a aprovação da lei João
Nery que regulamenta o reconhecimento da identidade de gênero das pessoas trans
e vem dispensar autorização judicial, o laudo médico e psicológico para
cirurgias e hormonioterapias. Porém não podem e não querem se enfrentar com a
poderosa força da igreja católica, dos representantes das igrejas evangélicas
para acabar com os crimes de ódio, incentivado e omitidos por todas estas
instituições.
Por um lado, buscando se apoiar na “luta por direitos civis”
mantenho toda a ordem vigente, e não criar mais rachas entre os setores
religiosos, a atual presidente e candidata Dilma defendeu ontem pela primeira
vez, depois de 4 de governo (e 12 anos de PT) “criminalizar a homofobia” como
medida para acabar com a violência aos LGBT[8].
Seria cômico, senão fosse trágico, que um governo com que vangloria de ter uma
mulher a frente (como uma conquista feminista) em 25 páginas de proposta de
governo só aparece uma vez referência aos LGBT utilizando o termo “opção
sexual”[9],
onde este mesmo governo tenha sido o mesmo que negociou a entrada de Marco
Feliciano na comissão de direitos humanos, que os brutais assassinatos de
homossexuais e travestis tenham crescido[10],
as condições de vida são precárias, onde as mulheres e homens TRANS* e as
travestis passam anos em demoradas filas de espera para conseguirem laudos
médicos que atestem “doença” para que possam realizar cirurgias e o tratamento
hormonal, quando não se submetem ao silicone industrial e a auto-medicação sem
acompanhamento médicos, medidas estas que levam a sequelas e a morte de
milhares. Foi vetado o kit-anti homofobia que buscava educar nas escolas o
respeito a diversidade.
Enquanto os direitos dos LGBT seguem nessa calamidade, o
governo com uma mulher a frente não deu nenhum passo significativo na quarta
maior causa de mortalidade feminina, o aborto clandestino. Pelo contrário,
recebeu de braços abertos a visita do Papa, garantindo policiamento “padrão
FIFA”, repressão e mais da campanha “pela vida”, contra a vida das mulheres
trabalhadores, pobres e negras.
A falta que faz
parlamentares revolucionários...
Mesmo com o desgaste das instituições do regime e dos
partidos da ordem, a ausência de revoluções nos últimos 30 anos permite a ilusão
nas democracias burguesas como única e mais avançada forma de se organizar a
sociedade carregando consigno o ideal de alcançar futuramente as democracias
dos países imperialistas, onde os ares parecem mais democráticos. É nesse contexto que sentimos a grande falta que
faz a atuação de revolucionários no parlamento para desmascarar “o poder do
voto” e as possibilidades de transformação da sociedade pela via
pacifica/eleitoral.
As eleições são cartas marcadas onde os trabalhadores e a
juventude ficam pra fora das decisões fundamentais. A esquerda e suas
candidaturas: Luciana Genro (PSOL), Zé Maria (PSTU), Mauro Iasi (PCB) não
aparecem como uma expressão de Junho, nem representam os milhares que foram às
ruas, mais uma expressão do papel insignificante que cumpriram em Junho e nos
problemas estratégicos de sua preparação sindicalista/eleitoreira anterior.
Partindo dessa esquerda que não passou a prova de Junho, o
PSOL deu o primeiro exemplo de como não se combate a homofobia numa sociedade
capitalista. Jean Wyllys elogiou a proposta de programa LGBT da candidata
Marina Silva, chamando-a de “corajosa”[11]
e dizendo que isso significava um “chega pra lá do fundamentalismo religioso”.
Em menos de 24 horas teve que mudar o “tom” e criticar Marina, por conta da
retirada do programa em defesa dos direitos LGBT, após a pressão publica de
Silas Malafaia. Nessa segunda vez, dizia “Marina brincou com a esperança de
milhões de pessoas”[12].
Ora, o PSOL não é parte dessa
brincadeira, embelezando uma possível saída LGBT pela via de Marina Silva? É
para Jean Wyllys possível que os direitos LGBT sejam conquistados sem um
profundo confronto com as instituições religiosas mais reacionárias como a
igreja católica e bancada evangélica? Pode-se arrancar tais demandas sem total
independência da classe trabalhadora da burguesia? É possível que esses
direitos sejam garantidos sem mobilização, somente pelas promessas eleitorais?
Nenhum destes questionamentos foi feito, nem mesmo pelas correntes de esquerda
internamente no PSOL.
Mas não bastasse isso, não perderam outra oportunidade para
desaparecer como alternativa LGBT, a candidata Luciana Genro num “Desafio LGBT”
promovido no MASP, em São Paulo, declarou que “homofobicos são homossexuais
inrustidos”[13],
dessa forma buscando na própria homofobia responder aos representantes da
ideologia burguesa (como se a homossexualidade fosse um feitiço que pudesse “se
virar contra o feiticeiro”). A ideologia dominante, já dizia Marx, é a
ideologia da classe dominante. A utilização da religião e da fé de milhares e
milhares de pessoas é uma ferramenta fundamental de dominação da qual os
revolucionários não combatem, sem garantir a liberdade religiosa, separando
assim as instituições da liberdade de crença. A opressão aos negros, mulheres e
LGBT são marcas inquestionáveis dessas instituições, que buscam nos momentos
mais decisivos, fundamentar apoio a burguesia e suas saídas, que impõem que
paguemos pela crise e tenhamos nossas vidas cada vez mais precarizada. A
opressão que sofremos não é fruto de uma não compreensão abstrata, da
ignorância da população ou da forma “errada” com que os homossexuais buscam
superar sua opressão, mas é uma imposição da dominação de classe, da forma com
a qual a burguesia governa a sociedade: sob a propriedade privada dos meios de
produção. Porém, o PSOL, como bons reformistas, no terreno das opressões não se
diferenciam de Marina Silva ou agora do PT que recuperou o projeto de
criminalizam. Pelo contrário, se mostram apenas como uma velha alternativa do
que confia demais e pouco se prepara para os enfrentamentos necessários para
arrancar nossas reivindicações.
O PSTU, por outro lado, não alterou sua política LGBT. Segue
a mesma, da qual já polemizamos em outros momentos. Nas eleições apresentam muitos programas em
busca de mais direitos civis para a população LGBT, com ênfase na
criminalização da homofobia[14].
Para além do debate que há anos já fazemos com os companheiros sobre os limites
da criminalização e os problemas de quem julga e quem vai preso, a atuação
deste partido que se reivindica revolucionário são ainda mais problemáticas.
Porque encara a luta por direitos e por igualdade de maneira adaptada aos
ideais neoliberais, sem oferecer um programa (não-reformista) que busque
sintetizar lições e tarefas para o movimento LGBT. Isto é, sem promover mais
ilusão na maquina do Estado e demonstrar que sem um verdadeiro programa que
exija a separação da igreja do Estado e o fim dos acordos e alianças com os
setores mais reacionários da sociedade não se pode conquistar direitos mínimos
para os LGBT, que dirá de alcançar nossa verdadeira emancipação sexual.
No entanto, ainda que divergimos em muitos pontos para a
luta contra as opressões, o PSTU é o único partido operário que reivindica – a
sua maneira centrista – a independência dos trabalhadores dos governos e dos
patrões, uma premissa para se lutar verdadeiramente pelos direitos mais
sentidos pelos LGBT. Nesse sentido, criticamos suas alianças numa “Frente de
Esquerda” com problemas tão gritantes, mas apoiamos criticamente a candidatura
independente de Zé Maria, partindo de que se os LGBT tiverem buscando neste
voto classismo para sua luta, então, partimos de uma premissa fundamental para
reorganizar o movimento LGBT ligado a luta de classes e á luta por nossa
emancipação sexual e humana.
Feliciano, eu te
peguei! Eu fui pra rua e barrei a cura gay!
As intensas mobilizações de Junho precisam ser refletidas
com mais importância agora. Contra a falsa ilusão de que agora – e só depois
daqui 4 anos de novo – decidimos o “rumo do país”, se faz necessário extrair as
lições de Junho para encararmos de outra perspectiva.
Nas intensas mobilizações do ano passado, a pauta dos LGBT e
das mulheres tomaram as ruas de mais de 300 cidades de todo o país. O canto
“Feliciano eu te peguei, eu fui pra rua e barrei a cura gay” é a expressão hoje
do enorme potencial que as mobilizações tiveram, arrancando mais do que impedir
o aumento de 20 centavos, mas demonstrando a importância de que pautas
especificas podem tomar quando são erguidas por centenas de milhares de braços.
A fragmentação dos movimentos sociais, com uma forte divisão do próprio LGBT
ignora tanto a força da mobilização quanto a importância de que nossas pautas
sejam erguidas e defendidas por todos que as considerem justas.
Apesar da crítica que aqui fazemos a adaptação de lutar
apenas por direitos civis, obviamente estivemos e seguiremos ao lado de todos
os setores oprimidos para arrancar cada um desses direitos tão caros para nós. Exigimos a igualdade na lei, e seguiremos lutando para alcançar a igualdade na vida. A luta contra a nossa discriminação não se esgota com
aprovação de algumas leis, não lutamos por “mais tolerância” e por isso, não
desligamos nossa luta por mais direitos da necessidade da revolução, de subverter toda a ordem e ideologia dominante.
As eleições assim como a Copa do Mundo são dois momentos
onde a burguesia e os governos querem uma “calma” nos ânimos, com muito a temer
de nossa força de mobilização. Os governos tentam não discutir muito sobre
esses processos, com medo de despertar o gigante. Portanto, enquanto não se há
parlamentares revolucionários que levem a milhões de pessoas a denuncia deste
podre regime e desmascare a democracia burguesa, dizemos:
Não somos uma no
poder, sejamos milhares nas ruas para arrancar nossos direitos!
Pela separação total da Igreja do Estado e fim dos subsídios
milionários que recebe! Expropriação de suas inumeráveis propriedades e contas
bancárias fraudulentas.
Impostos progressivos aos seus enormes negócios (bancos,
empresas, turismo). Que os padres trabalhem e, se quiserem pregar alguma
religião, que o faça em seu tempo livre. Basta de parasitas bancados pelos
trabalhadores e pelo povo.
Justiça: punição a todos os padres pedófilos e corruptos.
Nenhuma ingerência da Igreja sobre a vida das pessoas. Fim
do acordo Brasil-Vaticano! Não a Lei Geral das Igrejas!
Por um SUS 100% estatal, sob controle dos trabalhadores como
única forma de conquistar controle de qualidade para ter contraceptivos para
não engravidar e previnir DSTs, educação sexual nas escolas para escolher
e aborto legal, seguro e gratuito para não morrer.
Liberdade total para as uniões civis.
Descriminalização das drogas.
[2] A
Lei Geral das Igrejas visa conceder benefícios tributários, que já são hoje
concedidos a igreja católica, para a igreja evangélicas e outras denominações
religiosas.
[4] O
projeto parlamentar (PDC 234/11) que fico conhecido como “Cura Gay” visava
refutar a posição da Organização Mundial de saúde (OMS) que em 1990 eliminou o
termo “homossexualismo”, onde o
prefixo “ismo” o qualificava como doença. E a Confederação Federal de
Psicologia que em 1999 proibiu os psicólogos de oferecer qualquer tipo de
“tratamento ou cura” para a sexualidade não heterossexual.
O projeto apresentado pelo Marco Feliciano era, na
verdade, uma nova tentativa do projeto de João Campos (PSDB-GO) que em 2011 foi
barrado.
[5] O projeto de lei “Estatuto do Nascituro” conhecido também
como Bolsa Estupro foi aprovado em 05 de junho na Comissão de Finanças e
Tributação, tem como objetivo dar posse ao Estado, às instituições religiosas e
até aos estupradores do os corpos e da vida das mulheres, tendo um peso jamais
visto na história do Brasil. Esse Estatuto, que oferece direitos e privilégios
de cidadão ao óvulo fecundado, e estabelece que o aborto seja criminalizado
inclusive nas situações em que é legalizado como no caso de gravidez decorrente
de estupro e risco de vida da gestante, e na situação de feto anencéfalo,
proibindo inclusive o uso da chamada “pílula do dia seguinte”.
[8] http://eleicoes.uol.com.br/2014/noticias/2014/09/01/apos-recuo-de-marina-dilma-defende-criminalizacao-da-homofobia-pela-1-vez.htm#fotoNav=86
[9]
Trecho citado: “ (…) a luta pelos direitos humanos se mantém, sempre, como
prioridade, até que não existam mais brasileiros tratados de forma vil ou
degradante, ou discriminados por raça, cor, credo, sexo ou opção sexual”. Veja mais em: http://divulgacand2014.tse.jus.br/divulga-0
acand-2014/proposta/eleicao/2014/idEleicao/143/UE/BR/candidato/280000000083/idarquivo/194?x=1406931687000280000000083
[10] O Brasil é considerado o país mais homofóbico do mundo, onde
ocorre 44% dos assassinatos no mundo contra homossexuais. E nos últimos 7 anos,
o número de assassinatos aumentaram em 117%.
Nenhum comentário:
Postar um comentário