domingo, 21 de junho de 2015

Porque questionar a horizontalidade?

AUTONOMISMO X AUTO-ORGANIZAÇÃO

Por: Virgínia Guitzel

Frente ao fenômeno internacional de crise de representatividade, dos regimes e das democracias degradadas, as entidades estudantis (DCE, CAs, DAs) e de trabalhadores (Sindicatos) vem sendo amplamente questionadas por todo o país. Para poder recuperar as entidades de organização de massas dos trabalhadores e da juventude para a luta é necessário debater as estratégias e semi-estratégias que se desenvolvem dentro das universidades.

O profundo retrocesso na organização e nas lições do movimento estudantil e operário fruto da ofensiva ideológica burguesa resultou na transformação das entidades, instrumentos de luta e organização, em correia de transmissão da ideologia dominante a partir das burocracias sindicais e estudantis, aliadas ao governo como UNE (UJS), CUT (PT) ou CTB (PCdoB) que estão em defesa do ajuste fiscal ou da oposição burguesa como Força Sindical, que comemorou a aprovação da PL da terceirização.

Com entidades cada vez mais burocratizadas, garantindo privilégios e interesses próprios alheio aos interesses do conjunto dos trabalhadores, a juventude que despertou em Junho um novo país e os trabalhadores que entraram em cena a partir dos guerreiros garis do Rio de Janeiro mostram que é possível, e muito necessário superar estas direções históricas que servem de contenção e freio da mobilização e do surgimento de um novo ativismo militante. É importante então dar um passo além: recuperar as entidades para fazer o movimento estudantil emergir como sujeito político.

Autonomismo e horizontalidade: um espirito da restauração burguesa

O sentimento contra partido é amplamente sentido na juventude que vê um caminho certo de todos os partidos se venderem e de uma juventude que conheceu o PT já como o partido da ordem, reprimindo greves, cortando ponto, cortando verbas para educação, fazendo acordos com Feliciano, Cunha e outros reacionários, etc.

Isto é, com a ofensiva ideológica do "triunfo do capitalista" frente ao "socialismo real" (stalinismo) e a ampla experiência com as democracias burguesas degradadas, a juventude perdeu o horizonte da busca pela transformação revolucionária da sociedade e passou a ver como utópica as experiências da Revolução Russa, a necessidade de construir um partido internacional da revolução e da auto organização do movimento estudantil e operário.

A ausência das reflexões estratégicas fundamentais para tomar as ruas por assalto e impor a força dos trabalhadores para controlar a sociedade, permitiu que valores como a exacerbação do individualismo, da auto suficiência e as ilusões reformistas de emancipação como acúmulo progressivo de direitos se tornassem parte da ideologia e prática da juventude, em maioria das universidades públicas, mas com fortes expressões no senso comum de muitas universidades particulares.

Os limites da horizontalidade

Tentar lançar luz, utilizando o marxismo revolucionário como ferramenta, para compreender a fundo a horizontalidade é uma maneira de dialogar com o legítimo sentimento contra aos partidos da ordem, sem permitir que sejam igualados as organizações de trabalhadores e da juventude que lutam contra estes políticos corruptos. Frente ao ceticismo disseminada pelas entidades-"administrativas" (não militantes) de se organizar e preparar grandes lutas com centenas de milhares de estudantes combinado ao profundo desgaste dos estudantes com gestões burocráticas fruto da insuficiência da esquerda - principalmente PSOL e PSTU - de construir um novo movimento estudantil, é preciso buscar responder que forma de organização o movimento estudantil precisa para vencer os cortes do governo federal, a tentativa de desmonte da educação pública e a ditadura das universidades privadas, que ano a ano, sofrem ataques como a crise do FIES, o aumento das mensalidades e a perseguição política pelos tubarões do Ensino.

A concepção de horizontalidade, construída e disseminada a partir das mobilizações de Junho de 2013, foi encarada por dezenas de milhares como uma tentativa de combater a burocratização dos movimentos sociais e das entidades a partir de uma nova medida organizativa desligada de um debate mais profundo do conteúdo de "para que nos organizamos". Muitas vezes reduzida a crítica ao partidarismo, aos tempos de fala e as votações, buscando pela via do consenso e o livre tempo de fala combater os erros e traições das outras gestões, a horizontalidade vai revelando que apesar dessa concepção aparecer como "inovadora" e "democrática" em combate as velhas práticas do movimento estudantil, mas acaba por ser ainda mais anti-democratica, pois contrapondo a democracia de base, são poucas figuras ou entidades que acabam decidindo em nome de todos, uma escolha de poucos. 

Por outro lado, também escancara o profundo ceticismo com as entidades recuperarem seu verdadeiro papel de organização de massas, como um instrumento de luta e democracia. Assim, se desvincula da base dos cursos, se restringindo a uma política de vanguarda incapaz de massificar pois não está baseada na democracia de base. 

Como se expressa em substituir as votações por consenso, que ao invés de "unificar" como aparece a primeira vista, impede as diferenças se expressarem, de construir um espaço legítimo para todos poderem defender suas idéias e posições.

Ao estabelecer uma "democracia horizontal" contra a "verticalidade" onde a burocracia silencia a base (e os setores oprimidos) se perde a dialética entre a organização da vanguarda e a massa dos estudantes que só podem verdadeiramente expressar suas posições se estão representadas em delegados por curso proporcionais as posições tiradas em suas assembléias. A suposta luta "contra as lideranças" não encontra respaldo na realidade, pois não promove a auto-organização capaz de expressar a base dos cursos, pelo contrário, acaba por tornar as "figuras públicas", mais carismáticas ou mais conhecidas, como referências do movimento, mesmo que possa ser de forma inconsciente.

As lições de Junho para o movimento estudantil

Sem dúvidas, a horizontalidade promoveu uma forma de organização, que agrupou um amplo setor de vanguarda. Todavia, desde Junho de 2013 se cobra um grande preço a ausência de uma organização profunda que combinado a politização dos cursos, possa decidir de maneira organizada os rumos do movimento que deve seguir exigindo as demandas das ruas que não foram atendidas - pelo contrário, já inclusive aumentaram as passagens novamente. Por isso reabrir o debate sobre as formas e estratégias de construir um movimento estudantil capaz de combater os ajustes do PT sem fortalecer a direita é fundamental para nos prepararmos para novos Junhos.

A juventude que entrou nos primeiros anos já carregam consigo uma nova moral. Foram jovens que não chegaram a universidade sem ver a força que a juventude tem quando está nas ruas exigindo seus direitos. Refletir os limites das mobilizações de Junho é a maneira de poder tirar lições e construir desde a organização de base dos cursos uma forma democrática de decidir os rumos das mobilizações. Por isso nos vale questionar a horizontalidade, partindo de quando ela foi provada pela luta de classes e demonstrou sua completa falência para levar o movimento a vitória. Primeiro, na expressão do Movimento Passe Livre em São Paulo, o Forum de Lutas no Rio de Janeiro ou a Assembléia Popular Horizontal em Belo Horizonte se demonstrou a profunda separação entre a vanguarda das mobilizações e o sentimento de massas de questionar todo o regime degradado e as demandas populares em defesa da melhoria das condições de vida e dos serviços públicos. Ao não ter buscado uma organização desde as concentrações como as universidades, escolas, locais de trabalho, a horizontalidade se absteve do combate de recuperar as entidades, como formas de organizações e em seguida, centralizou os rumos do movimento em algumas personalidades que ganharam mais destaque, sem permitir efetivamente um sério debate sobre as estratégias para o movimento.

Se queremos um movimento estudantil que se prepare para responder as grandes crises nacionais, muito longe de deslegitimar o surgimento de um ativismo nestas universidades fruto dessa incorporação da horizontalidade é preciso levar até o fim as conclusões das experiências num dos maiores processos de juventude da América Latina nos últimos anos. Quando milhares foram as ruas foi sob essa base da horizontalidade que se desorganizou o movimento que depois retornou aos seus lugares de trabalho, estudo e moradia, sem nenhuma alternativa capaz de seguir preparando a luta e aprendendo com estas experiências. A batalha hoje colocada para a juventude é, contra desarmar o movimento, lutar para que as entidades retomem seu caminho na luta de classes, desde as bases, fomentando a auto-organização com assembléias de curso e delegados revogaveis eleitos para representar as posições da base, permitindo que se tenham posições de maioria e minoria contra o consenso burocrático que impede a base de apresentar todas as ideias e posições que se chegou.

Com importantes, mas ainda iniciais, experiências no CACH - Centro Acadêmico de Ciências Humanas - pudemos aprovar com maioria dos estudantes a proporcionalidade como forma de ajudar o movimento a experimentar e testar suas alternativas de direção em momentos onde não se há luta. Acreditamos que a partir de constituir uma nova tradição do Movimento Estudantil com a liberdade de crítica e de diferenças politicas é possível incorporar mais estudantes para seguir preparando  o movimento para romper os muros da universidade e novamente ocupar com centenas de milhares as ruas, mas desta vez com uma saída pela esquerda, consciente, a crise do governo federal, aos projetos reacionários como a redução da maior idade penal e a "Cura Gay" e os escândalos de corrupção.

Junho, questionador de tudo, mostrou que é nas ruas, independente do governo e da mídia, o lugar da juventude para construir um novo futuro. É hora então, de organizarmos a partir dos nossos locais de estudo e de trabalho, a nossa ida. ÀS RUAS.

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