Por
Virginia Guitzel
Apesar do movimento revolucionário e a
classe operária ainda se mantem marcados pelas profundas derrotas e traições
das direções do movimento operário internacional, a chegada de uma crise
capitalista de proporções históricas que é constantemente comparada a crise da
década de 30, reatualiza conceitos como “luta de classes” e
"revoluções" que pareciam perdidos nestes últimos 30 anos, de
ofensiva ideológica burguesa combinada com o avanço do neoliberalismo e o
desaparecimento da perspectiva socialista com a restauração capitalista nos
antigos estados operários, em especial o leste europeu e a antiga URSS. As
consequências disso também se fazem sentir no âmbito das organizações de
esquerda, com o abandono das posições revolucionárias e o fortalecimento do
reformismo de esquerda e na tática de partidos amplos sem delimitação de classe.
Esse retrocesso do pensamento de estratégia (socialista) contribuiu para a
esquerda e os partidos de trabalhadores ou se adaptassem (muitas vezes chegando
a capitulação e degeneração) ou o liquidacionismo sectário que implica em pequenos
grupos incapazes de testar seus programas, repetindo consignas do passado sem a
dialética entre o programa e a realidade para comprová-lo.
Os revolucionários tem hoje como tarefa
resgatar os fios de continuidade com o marxismo revolucionário para partindo
dele, conseguir compreender o cenário internacional e nacional para então poder
construir um instrumento de luta dos trabalhadores, dos povos oprimidos e dos
setores oprimidos e assim garantir uma luta efetiva contra o capitalismo, pela
emancipação da humanidade. Retomar as elaborações já escritas, não como
autoridade inquestionável, mas como contribuições já postas e com diversas
superações fruto de um longo debate interno que pôde inclusive ser testado na
realidade se faz necessário para os milhares de jovens e trabalhadores que tem
protagonizado convulsivos levantes por todo o mundo, em maioria, impulsionados
por demandas democráticas formais como uma expressão da decadência do sistema
capitalista que é “incapaz de satisfazer as reivindicações que surgem
infalivelmente dos males que ele mesmo engendrou”. Mas que ao
desconhecerem tais debates passados, a juventude e os trabalhadores que hoje
despertam a vida política partem de recomeçar praticamente do zero a construção
de uma estratégia para nos levar a vitória sob a burguesia. Acontece que não
partimos do zero, partimos da dedicação de diversos revolucionários como
Engels, Marx, Lenin, Rosa e Trotski e sobre seus legados é que construímos um
programa para a atualidade.
A crise
capitalista evidencia os limites da democracia burguesa e a necessidade da
revolução socialista.
À medida que a crise econômica vai
avançando, evidencia consigo mais e mais a atualidade do período chamado por
Lênin de ‘Imperialismo’, no qual o mundo inteiro já foi partilhado entre a
dominação dos países imperialistas somado a divisão do trabalho internacional.
Esses fatores acumulam tamanha contradição entre as condições objetivas dessa
sociedade que possibilitam a construção de uma sociedade socialista e a crise
histórica de direção revolucionária para alcançar este objetivo. Enquanto a
classe operária e os oprimidos ainda carecem de uma direção revolucionária que
levante um programa pela independência política dos trabalhadores e estimule a
solidariedade da classe operária com os oprimidos, fazendo com que a classe
trabalhadora tome para si as bandeiras de todos os setores oprimidos (para
assim tornar-se o sujeito hegemônico na luta anti-capitalista), se desenvolvem
diversos outros pensamentos ideológicos fruto desses últimos trinta anos (1981-2011)
de um abandono da reflexão estratégica (da tomada do poder, da ditadura do
proletariado e da luta pelo comunismo). A organização da juventude hoje em
diversos países está pautada com bandeiras claras de luta anti-austeridade e/ou
contra a desigualdade social. Não podem, no entanto, serem consideradas como
lutas anti-capitalistas
pelo socialismo, pois muitas vezes acabam por defender o capitalismo do período
recente com uma relativa estabilidade e o “estado de bem estar social” (nos
países avançados), uma vez, que a forma mais avançada de sociedade vivenciada e
conhecida por estes ativistas sempre foi a democracia
burguesa
Sem a visão clara que esta democracia
tem um limite bastante concreto: de classe. E que as demandas democráticas mais
sentidas pela juventude e pelos trabalhadores não podem ser conquistadas pela classe
burguesa. Também pouco é discutido sobre a democracia como forma de desvios
revolucionários, de maquiar a ditadura burguesa e da dependência do Estado para
existir democracia. Que a luta pelo fim da exploração, fim da divisão em
classes passa pela luta revolucionária contra o Estado (pela tomada do poder
seguida de destruição do aparelho estatal) superando assim a democracia para o
comunismo.
Esse grau zero de estratégia gerou a
formação de novas teorias para responder os fenômenos sociais sem a
centralidade da classe operária ou de uma base marxista. Entre essas novas
teorias, encontramos o autonomismo, que
se apresenta mais como uma espécie de “espírito de época” do que como “teoria”
propriamente dita. Se expressa mais claramente na organização,
majoritariamente, da juventude como o movimento Occupy Wall Street (OWS, nos
EUA), #Yosoy132 (movimento surgido no Mexico nas eleições presidenciais de
2011) e os Indignados na Espanha, tem como principais pontos débeis a falta da
compreensão do papel estratégico dos trabalhadores (e da aliança da juventude
com eles), a necessidade da tomada do poder (lutar por demandas por fora do
regime capitalista) e talvez o ponto mais distante da reflexão destes grupos: a
necessidade da construção de um partido marxista revolucionário para impedir
que os patrões e governo descarreguem a crise capitalista (por eles gerada) nas
costas dos trabalhadores e assim impor a estes mais anos de submissão,
exploração e opressão.
É nesse novo período em que nos
encontramos que as demandas democráticas tomam um papel superior para os
revolucionários. Paralelamente aos levantes da juventude, que atuam como caixa
de ressonância das contradições do capitalismo, vem avançando muito lentamente
e repleto de dificuldades, o processo de reorganização subjetiva (como vemos o
caso da conformação do IPT, Partido dos Trabalhadores na Bolívia, a fundação de
mais de 1000 sindicatos independentes da central estatal no Egito, desde a
queda de Mubarak e o processo de Sindicalismo de base na Argentina). Enquanto a
classe operária vai bem lentamente recuperando sua independência dos patrões e
começando a se reorganizar, a burguesia muitas
vezes apoiando-se nas instituições religiosas grita demagogicamente
a favor da democracia e até concedem alguns direitos formais para cooptar
setores oprimidos acomodados, para provocar um confusionismo dentro do
movimento e a tentativa de relocalizar os governistas para capitalizar
eleitoralmente todas essas discussões.
Indicam
como Papa, um Francisco, em alusão a sua “ligação igualitária com os pobres” e
encobrem as manchas de sangue que o ex-Guarda de Ferro Bergoglio traz da sua
cumplicidade com a ditadura argentina; no Brasil o parlamento burguês aprova a
união homoafetiva na mesma semana que indicam um pastor racista e homofóbico à
presidência da Comissão de Direitos Humanos (e ainda se mantém no poder, apesar
de todo rechaço nacional e midiático); aprovam política de cotas nas
universidades e depois tentam e intensificam a repressão policial e o
assassinato de jovens pretos e pobres nas periferias; É nesse cenário que urge
à classe operária levantar um programa que responda aos interesses dos setores
oprimidos pelo capitalismo e que não podem ter na burguesia nenhuma ilusão de
solução para as mínimas questões democráticas.
Ao mesmo tempo que se expressa uma
reação com a marcha de milhares contra a aprovação do casamento homoafetivo na
França, a conquista dessa aprovação tem que ser vistas nos marcos das
conquistas por dentro do regime capitalista, como dizia Marx:
Não há dúvidas
de que a emancipação política representa um grande progresso e, embora não seja
a forma mais elevada da emancipação humana em geral, é a forma mais elevada da
emancipação humana dentro da ordem do mundo atual.
Apesar dos revolucionários não
reivindicarem o casamento, por conta da sua constituição histórica (opressão as
mulheres, forma de relação burguesa – constituição de família, baseada na
propriedade privada -, valores possessivos, etc), não nos colocamos contra a
inclusão dos LGTTBIs na igualdade de direitos, ainda que tenhamos de forma
clara seus limites. Nos colocamos como linha de frente na luta por sua
emancipação política (inclusão total, garantia de todos os direitos, dentro do
regime capitalista), porém defendemos um programa com independência política
dos trabalhadores e dos oprimidos justamente para que vá além da emancipação
política, da democracia burguesa, etc. Queremos emancipar a humanidade de toda
exploração e dominação da burguesia sob nós. Queremos nós, trotskistas, até o
fim, alcançarmos nosso objetivo da construção de um novo mundo, livre da
dominação burguesa (aperfeiçoada com as opressões) e da exploração capitalista,
assim mudando radicalmente a natureza dessa sociedade que é baseada na divisão
de classes, e portanto na necessidade de um Estado.
A visão
permanentista de Trotsky para responder as demandas dos oprimidos e dos
trabalhadores.
Ainda que possa parecer difícil
estabelecer uma relação direta entre o dirigente da revolução russa, com as
questões democráticas tais como sentidas hoje, muito por conta de toda
propaganda feita da URSS e do stalinismo como “socialismo real”, isso é, única
forma possível de socialismo. Basta apenas fazermos um resgate histórico do
papel que este militante revolucionário teve no combate ao stalinismo e suas
políticas reacionárias com os trabalhadores e os oprimidos (perseguindo
operários e retrocedendo em diversos avanços conquistados em 1917 como a
naturalização das relações homoafetivas e o direito ao aborto, para citarmos
como exemplo). Veremos que muito além do grande dirigente da classe operária,
Trotsky elaborou a partir de sua visão permanentista da revolução,
bases ideológicas e programáticas que para além da necessidade de expandir do
nível nacional, ao internacional até alcançar mundialmente, via claramente a
necessidade de se estabelecer uma base econômica planificada democraticamente (portanto,
organizada) para que a revolução se desse em todos os níveis.
Ao retomar Engels, em a Origem da Família, da propriedade privada e
do Estado, Trotsky recupera a compreensão histórica do processo do avanço
da atividade humana (o trabalho) que se desenvolveu de forma com que o trabalho
masculino da caça e posteriormente da agricultura possibilitassem a produção de
excedente à sobrevivência imediata, o que significou um tempo livre, que antes
era totalmente utilizado no trabalho para a sobrevivência destas tribos. Com a
produção de excedente, o trabalho masculino começou a se sobrevalorizar ao
trabalho feminino, que por conta das mulheres biologicamente serem responsáveis
pela amamentação tinham de ficar próximas da tribo, onde estavam as crianças
menores, impedindo-as de desenvolver o trabalho masculino que era,
majoritariamente, fora da aldeia. Essa sobrevalorização do trabalho masculino e
a produção de um excedente (produto amais do que a necessário para a
subsistência) possibilitou que houvesse algo a ser transmitido para futuras
gerações, assim para garantir que esse excedente ficasse dentro daquela família
se fazia necessário saber quem era o progenitor (criando assim o conceito de
hereditariedade e transformando o fruto desse trabalho apropriado por apenas
estes, transformando então em propriedade privada). Assim ocorreu o inicio da
divisão entre homens e mulheres (não natural, mas social), tornando-se
necessário a opressão as mulheres, impondo-as a monogamia como forma de
certificar de que aqueles filhos – que herdariam esta propriedade, agora
privada, antes comunal – eram realmente daquele homem (o único que mantinha
relações sexuais com a mãe. O fim da matrilinearidade significa não a simples
mudança de organização da família ou a linhagem daquelas tribos, mas é a marca
do inicio da divisão entre os homens e a mulheres e também entre as classes.
Partir da origem da opressão a mulher que Engels elabora a
partir de rascunho deixados por seu companheiro Marx, evidencia que a luta
contra a divisão da humanidade em classes, da dominação burguesa e a
defesa da centralidade
da classe operária enquanto principal sujeito revolucionário nunca esteve em
detrimento de defender o direito dos LGTBBI’s, das mulheres e dos negros. Ao
contrário, era exatamente por compreender que “aqueles que lutam com mais energia pelo novo foram os que mais
sofreram com o velho” e que a única maneira de lutar pelo direito dos
oprimidos passava, irremediavelmente, pela organização destes setores a partir
da classe trabalhadora e da atuação desta como tribuna do povo, hasteando bem
alto as bandeiras democráticas mais sentidas pelo conjunto da população, que
Trotsky se forjou como um grande dirigente revolucionário. É colocando
historicamente o desenvolvimento da humanidade que se faz claro a visão abrangente
que se explicita nos escritos dos marxistas.
Ainda que o revolucionário bolchevique
não tenha se debruçado em elaborar um programa especifico para a questão LGTTBI,
Trotsky se pautou sobre os avanços de Engels no campo da origem da família, da propriedade privada e do
Estado, no programa de Bebel e, principalmente, de Clara Zetkin e Alexandra
Kollontai sobre a questão das mulheres, escreveu criticamente sobre a moral da
burguesia e dos revolucionários e também se debruçou sobre as minuciosas questões
do modo de vida dos russos.
A lógica permanentista da revolução dá
bases para a compreensão de que a luta contra o patriarcado e as demais
opressões, devendo começar conjuntamente com a luta contra a dominação
capitalista, só pode triunfar plenamente sobre as bases de uma economia que não
seja voltada para o lucro, a acumulação e a propriedade privada, mas sim em
base à democracia do trabalho, à propriedade comum dos meios de produção e,
assim, à livre expressão da sexualidade sem as barreiras impostas por uma
sociedade dividida em classes. Isso é, não é possível abandonarmos as questões
materiais, concretas nas quais o capitalismo se apoia para perpetuar as
opressões. É da necessidade concreta de manter a divisão da humanidade em
classes sociais, que se é necessário a manutenção da hereditariedade, da
propriedade privada e portanto, a família.
Nesse sentido, herdamos a história de
luta dos setores oprimidos e da classe operária e as ferramentas do marxismo
revolucionário como bases para elaborarmos um programa capaz de responder às
demandas democráticas que as burguesias, desde o final do século XIX, já não
são mais capazes de responder (sem falar que, como classe proprietária, jamais
o foi, por questões estruturais, mesmo em sua fase “heroica”].
Trotsky, por sua vez, se diferencia
radicalmente da maioria dos grupos de oprimidos pela estratégia que carrega. A
compreensão do capitalismo internacional e a elaboração de um programa capaz de
modificar radicalmente os pilares da sociedade capitalista fez com que ele
enxergasse as demandas democráticas desde uma perspectiva socialista
revolucionária, desde uma compreensão das opressões que não se desliga da
exploração capitalista, nem da questão das classes sociais e muito menos da
necessidade de uma saída coletiva para emancipar a humanidade. Por isso o
combate a fragmentação e ao isolamento da classe trabalhadora precisa ser
também uma preocupação para estes setores. Por isso também que a denúncia à
ilusão no Estado e no parlamento burguês em responder as demandas dos
trabalhadores também serve para os oprimidos, pois são analises e lições
tiradas de processos já vividos por lutadores que expressam uma compreensão do
sistema vigente, reflexão essa que é fundamental para qualquer revolucionário
poder pensar política, estratégia e programa para libertar a humanidade da
divisão de classes que sociedade anterior nenhuma foi possível.
A relação entre
a consciência atual da classe operária e avanço da revolução no modo de vida e
na moral.
O dirigente russo apontava em seu livro Questões do modo vida, escrito em 1923,
quando se analisava a revolução russa não mais como uma revolução burguesa e
que se isso significava não mais só planificar a economia, expropriar as
empresas da burguesia, mas mudar radicalmente os pilares da sociedade
capitalista: sua moral, educação e sua ideologia há tantos anos martelada na
consciência dos trabalhadores e da população russa.
É muito interessante estabelecermos um paralelo, ainda que
rápido (e sem pretensões de aprofundarmos tanto, neste artigo) sobre a relação
entre o nível de escolaridade, de educação, de condições materiais de
existência de uma classe operária (como a Russia, num país com fortes traços
ainda feudais) para alcançar a revolução no modo de vida e na moral afundada na
ideologia burguesa. Dizia Trotsky:
Estabelecer a igualdade económica do trabalhador e da
trabalhadora na fábrica, na oficina, no sindicato, é já muito difícil. Mas
estabelecer a igualdade efetiva do homem e da mulher na família, eis o que é
incomparavelmente mais complicado e exige imensos esforços para revolucionar
todo o seu modo de vida. E, no entanto, é evidente que enquanto a igualdade do
homem e da mulher não for atingida na família, não se poderá falar seriamente
da sua igualdade na produção nem mesmo da sua igualdade política, pois se a
mulher continua escravizada à família, à cozinha, à barrela e à costura, as
suas possibilidades de agir na vida social e na vida do Estado
conservam-se reduzidas em extremo (...)
Como já se disse, acontecimentos de importância considerável
— a guerra e a revolução — subverteram o modo de vida familiar, trouxeram
consigo o pensamento crítico, a reorganização consciente e a reavaliação das
relações familiares e do modo de vida quotidiano. É precisamente a combinação
da força mecânica desses grandiosos acontecimentos com a força crítica do
pensamento que explica, no domínio da família, o período destrutivo que hoje
conhecemos.
É somente hoje, após a
tomada do poder, que o operário russo dá os seus primeiros passos na via da
cultura. (...)
[4]
As diversas referencias que Lenin e Trotsky faziam sobre o
que seria uma revolução na Alemanha ou nos EUA estavam obviamente ligadas ao
papel econômico que ambos países cumprem no cenário internacional. A influência
destes e o tamanho da classe operária nestes países de capitalismo avançado
(com o desenvolvimento avançado da indústria naquela época), já davam razões
suficientes para preferir “trocar” uma revolução num país como a Rússia
bastante isolado e sem a mesma influencia internacional, por uma revolução
nestes países centrais. Mas para além disso, também pode-se dizer que num país
onde a educação está minimamente disseminada na classe trabalhadora é
extremamente mais fácil conseguir combater a ideologia burguesa e a moral
constituída em base a propriedade privada e a exploração capitalista. Por
razões lógicas como a alfabetização dos trabalhadores, noções básicas de matemática
e de localizações geográficas, colaboram muito para a desconstrução desses
valores arraigados e a reflexão para a construção de um novo homem.
Dois
inimigos da classe trabalhadora e dos oprimidos: Stalinismo e imperialismo.
De outra perspectiva, podemos
encarar Trotsky como uma referencia aos oprimidos (para além do movimento
operário) pelo seu combate intransigente ao stalinismo e ao imperialismo (os
principais responsáveis pela opressão e exploração que seguem em nossas vidas),
sendo seu principal opositor. Para os revolucionários, o imperialismo significa
“reação em toda linha”, é a burguesia mais poderosa e reacionária que se mantém
as custas da exploração de nossa classe e da opressão aos povos e setores
oprimidos. Por outro lado, o stalinismo com sua teoria de “socialismo em um só
país” teoriza a derrota do movimento pela emancipação humana (o comunismo).
Enquanto nos anos de ofensiva
neoliberal o imperialismo conquistava sua hegemonia e disseminava sua ideologia
do fim da histórica, fim da classe operária e fim da possibilidade de mudança socio-economica
também consolidava a identificação no imaginário popular entre o socialismo e a
luta por outro tipo de sociedade com o stalinismo. É desse confucionismo que os
revolucionários hoje precisam enfrentar. Pois ao apontar o stalinismo (e toda
sua carreira de derrotas, traições, retrocessos das conquistas de outubro: como
a naturalização das relações não reprodutivas; o direito ao aborto;) como “o
socialismo possível” cria-se um distanciamento da juventude e da classe
trabalhadora de uma perspectiva socialista nas lutas contra os patrões e
governo. O combate aos dois principais inimigos da classe trabalhadora e dos
oprimidos é parte essencial para triunfar a luta revolucionária. Por um lado
derrotando a burguesia dos países avançados, contagiando a classe operária de
diversos países. E por outro combatendo a visão reacionária de comparar o
stalinismo ao movimento revolucionário, demonstrando que os revolucionários
defendem a divisão da riqueza e os avanços de uma sociedade livre da
exploração, onde os indivíduos tornem-se sujeitos e peguem sob suas mãos o
futuro da humanidade.
Combater a teoria do socialismo
em um só país e todo o processo de burocratização da URSS (assim como a
perseguição aos trotskistas e aos opositores que também eram acusados de
trotskistas para manter Stalin com sua hegemonia) era parte de demonstrar o
quão falido era o programa proposto para a Internacional comunista que não só
negava o marxismo revolucionário continuado por Lenin e Trotsky, mas também explicitar
os caminhos opostos que este programa e a luta pela emancipação humana
caminhavam. Pois partimos de que o próprio
sistema capitalista já é por si só internacional e a impossibilidade de existir
uma ilha socialista em meio a um mar capitalista pelo peso internacional que
atinge diretamente todos os países que estão inseridos na divisão social do
trabalho. A coexistência de sistemas político-econômicos antagônicos não pode
durar por muito tempo, isso é exemplificado pela revolução de 1917, onde mesmo
com a tomada do poder e a conquista de diversas demandas democráticas pelos
trabalhadores, o isolamento da ex-URSS foi o principal elemento do surgimento
da burocracia stalinista e da posterior restauração capitalista neste país.
Por
isso as organizações de oprimidos, os sindicatos e os partidos de trabalhadores
precisam se comprometer em varrer de uma vez toda a herança stalinista que
ainda sobrevive na esquerda internacional. E se colocar num combate
intransigente ao imperialismo, como questões mínimas para defender
verdadeiramente os setores oprimidos e a classe trabalhadora. Os
revolucionários não podem se omitir deste debate, pelo contrário, devem ser os
primeiros a pauta-lo. Para que sejam rapidamente superados e que a partir de
posicionamentos claros possamos disputar novos setores para combater o capitalismo.
A
vigência da teoria da revolução permanente frente a “revolução democrática”.
A teoria da revolução permanente foi desenvolvida em base
às experiências do movimento revolucionário internacional e no combate às
principais polarizações dentro deste servindo então para orientar a elaboração
de um programa verdadeiramente revolucionário que se testasse na realidade.
Trotsky dizia que em países de capitalismo atrasado ou semicolonial não se faz
possível ou necessário o desenvolvimento de todas as potencialidades do
capitalismo para que depois avançasse a luta por uma sociedade comunista, como
defendiam os mencheviques. Já que as burguesias nacionais destes países nascem
espremidas pela burguesia imperialista e pela força do seu proletariado
tornam-se incapazes de desenvolver ou responder as demandas democráticas
estruturais para a população e os trabalhadores, e quando fazem concessões
mínimas formais em prol de barrar a organização da classe trabalhadora e sua
unificação, logo que possuem a oportunidade as retiram. Ou seja, em países como
o Brasil, nada se pode esperar do estado burguês para responder a essas
demandas. Responder a essas demandas democráticas só pode se dar como tarefa da
classe operária organizada em um partido revolucionário marxista, que avance
até tornar poeira o antigo sistema social dividido em classes.
A tomada do poder, porém, é somente a primeira etapa para a
transformação radical da sociedade. A teoria da revolução permanente não visa
apenas à planificação da economia e o fim da sociedade dividida em classes, mas
sim, ter essas bases materiais conquistadas para poder desenvolver a humanidade
na sua potencialidade máxima. Isto é, poder acabar com a desigualdade social
(miséria, fome, desemprego, violência policial, ditadura de classe, etc) para
poder reeducar a humanidade sob bases comunistas. Uma educação radicalmente
diferente da que temos hoje, criada para nos introduzir no mundo capitalista
revestido de egoísmo, opressões e defesa da propriedade privada e do statos
quo.
Para nós trotskistas, partimos que da compreensão de que
não é possivel conquistar a revolução sexual sem as bases estabelecidas de uma
revolução social, e de que a revolução social tem de ser encarada como a porta
para o caminho da revolução em todos os níveis, assim que enxergamos a teoria
da revolução permanente como a teoria que mais é capaz de armar os oprimidos na
luta por sua emancipação, que não pode ser por dentro do regime burguês. É
através da compreensão da realidade objetiva e da necessidade da construção de
um partido revolucionário com forte apropriação marxista que se avança na luta
contra o capitalismo que tem como pilares da exploração o machismo, a homofobia
e o racismo – isto é, de formas do estranhamento social que são historicamente
anteriores ao capitalismo, mas das quais ele cedo aprendeu a se servir para
seus próprios fins, e por isso passou a reproduzir à sua maneira.
Nesse sentido, estão estabelecidas diversas tarefas
para os revolucionários hoje. Na ordem do dia é urgente a construção do partido
da revolução socialista com um programa revolucionário que seja a expressão
destes debates acumulados no interior de processos vivos da luta de classes.
Por essa tradição que se faz hoje necessário a polêmica entre a Teoria da Revolução
Permanente defendida por Trotsky e a revolução democrática atualização
realizada pelo fundador da LIT-PSTU, Nahuel Moreno.
Esta elaboração teórica de Moreno se apoiava na citação do
texto O programa de transição, de Leon Trotsky que dizia:
Paralelamente, desenvolvemos uma incansável
agitação em torno das reivindicações transitórias que deverão, do nosso ponto
de vista, constituir o programa do "governo operário e camponês".
É possível a criação de tal governo pelas
organizações operárias tradicionais. A experiência anterior mostra-nos, como já
vimos, que isto é, pelo menos, pouco provável. É, entretanto, impossível negar categórica e antecipadamente a
possibilidade teórica de que, sob a
influência de uma combinação de circunstâncias excepcionais (guerra, derrota,
quebra financeira, ofensiva revolucionária das massas etc.), os partidos
pequeno-burgueses, incluídos aí os stalinistas, possam ir mais longe do que
queriam no caminho da ruptura com a burguesia. Em todo caso, uma coisa está
fora de dúvida: se mesmo esta variante pouco provável se realizasse um dia em
algum lugar, e um "Governo operário e camponês", no sentido acima
indicado, se estabelecesse de fato, ele somente representaria um curto episódio
em direção à ditadura do proletariado. [5] (grifo meu).
Se analisarmos que essa teoria foi criada num momento
muito especifico de revoluções com estados operários deformados (nascidos já
sem a classe operária a frente ou uma organização revolucionária baseados nos
princípios marxistas) veremos que essa teoria reflete bastante um espirito da
década de 80 e 90 que frente a ofensiva burguesa e a restauração capitalista em
diversos países do leste europeu e da principal referencia ao socialismo, a
ex-URSS, parecia-se muito plausível que a exceção – sem muita credibilidade –
descrita por Trotsky se tornasse, como afirmara Moreno, em regra.
Numa carta escrita por Moreno enviada a
uma agrupação de juventude da Convergência Socialista, em 1984, chamada
Alicerce, o fundador deste partido explica, a partir do balanço que faz do
pós-segunda guerra mundial, a aplicação de sua revisão da teoria da revolução
permanente:
“A [definição de
situação revolucionária] de Trotsky, que dá quatro condições que a
caracterizam: primeiro, uma crise muito aguda da burguesia; segundo, giro massivo
da pequena-burguesia contra o regime; terceiro, vontade e organização
revolucionária do movimento operário; quarto, a existência de um forte partido
marxista revolucionário que dirija as massas e esteja firmemente disposto a
tomar o poder (...) Mas, como já dissemos muitas vezes, neste pós-guerra
triunfaram muitas revoluções, não só situações revolucionárias, sem maior
influência da classe operária e sem que esta acaudilhe como classe o processo
revolucionário (a terceira condição de Trotsky). Tampouco se deu nenhum triunfo
revolucionário que tenha sido dirigido por um partido marxista revolucionário
(a quarta condição de Trotsky) (...)
Acreditamos estar perto da solução do problema: as duas primeiras condições de
Trotsky (a crise burguesa e o giro da pequena-burguesia contra o regime
dominante), algumas vezes foram suficientes para dar origem a situações
revolucionárias, umas traídas por suas direções e outras, apesar destas, que
levaram ao triunfo da revolução.”[6]
Uma vez afastados desse período histórico e ainda mais no
cenário atual de cinco anos de uma crise econômica que reatualiza toda a teoria
revolucionária desenvolvida pelos revolucionários russos colocam essas
atualizações em prova e demonstram rapidamente sua ineficácia. Se quando
elaborada essa teoria ela expressava uma adaptação, muito ligada a uma
degeneração da esquerda, principalmente do movimento trotskista, hoje ao
testá-la na realidade e ignorar suas debilidades torna-se uma capitulação que
produz em algumas ocasiões uma omissão ao imperialismo como chegou as posições
da LIT-PSTU em sua análise ao processo revolucionário na Líbia.
A importância desse debate é apontar as duas principais
debilidades que essa teoria carrega para a luta da emancipação da humanidade.
Expressam como resultantes dessa teoria: 1. A falta de prioridade no combate ao
imperialismo. 2. A ilusão de que outros movimento sociais – que não a classe
operária organizada por um partido revolucionário marxista em luta
revolucionária contra a burguesia – seria capaz de conquistar as demandas
democráticas. A visão, da qual chamamos de semi-etapista ou semi-menchevique,
parte da separação entre a revolução democrática e a revolução socialista.
Assim como separa o combate aos regimes do combate ao
imperialismo. Essa separação, parte da compreensão da revolução em duas etapas
ainda que não se liguem diretamente com a teoria dos mencheviques (que
defendiam que era necessária primeiro a revolução burguesa para depois a
revolução socialista) carrega consigo alguns traços desse pensamento. Por um
lado isso acaba por levar a uma política de não fomentar a auto-organização dos
oprimidos em aliança com os trabalhadores para conquistar suas demandas, mas em
confiar em forças externas como o parlamento burguês (com as campanhas
promovidas pelo PSTU em relação a lei Maria da Penha e a defesa da ampliação de
delegacias de mulheres) e por outro lado pela sua própria lógica de quais as
tarefas dos revolucionários hoje.
A
falta de um combate incisivo ao imperialismo também acaba por ficar
secundarizado pela lógica de combater os regimes ditatoriais e pela visão da
democracia (burguesa) como um avanço na liberdade e não como um desvio ou como
diria Trotsky “uma revolução abortada”. Essa visão orientadora desse partido
acaba por leva-los a um retrocesso na luta revolucionária pois foca-se na
discussão fascismo X democracia, quando a pauta real deveria ser: estado
burguês X estado operário.
A prática
por sua vez submetida a essa teoria que não só atualiza, mas nega o legado
trotskista não servirá para transformar os processos revolucionários “surdos,
cegos e mudos” em revoluções socialistas. Não contribuem para o avanço da
consciência das massas, muito menos como defesa intransigente aos negros,
mulheres e LGTTBIs que sem um rearme estratégico tem de começar do zero a
analisar a realidade e teorizar sobre seus aspectos fundantes e os caminhos
para sua transformação.
Sem glorificar ou de maneira artificial atribuir ao
dirigente russo o papel de defensor dos oprimidos, exemplifiquei acima como é
fruto deste trabalho que hoje temos um programa capaz de armar os oprimidos
para lutar pela emancipação humana, pelo comunismo, que foi sem dúvida o sonho
de todos os lutadores que dedicaram sua vida ao movimento revolucionário. Que
ainda é o nosso. E que será a realidade das futuras gerações.