Virginia G. – militante da FT, seção brasileira:
Liga Estratégica Revolucionária – Quarta Internacional.
A identidade assim como a sexualidade está em processo de construção desde que nascemos. Apesar deste processo se dar de forma pouco racional, pois poucos são aqueles que conseguem intervir nesta construção de forma consciente, por isso, pouco se escolhe, pouco se experimenta, pouco se sabe e é questionado, essa construção vai ao longo da infância tomando forma, através das impressões e intervenções que o individuo adquire contato. Assim como só é possível gostar de uma música, a partir do momento de que se tem contato com ela, só é possível se identificar com algum gênero ou mesmo busca uma forma de construí-lo, através do contato, de uma visão materialista da história (isto é, que somos seres sociais, portanto, construídos socialmente) e das percepções individuais obtidas de um ângulo determinado pela vida especifica desse individuo.
Agora, já anteriormente a nossa capacidade de refletir, já nos foi imposto um nome, um gênero e uma sexualidade pré-determinada, entendida como todos/todas nascem heterossexuais e ao longo dos anos podem sofrer desvios, degenerações ou se “adoentar” com a homossexualidade, num nível menor: bissexualidade, ou num nível maior: homossexualidade absoluta[1].
Freud, a respeito da homossexualidade, compreendia-a como uma característica normal do curso do desenvolvimento psicossexual de qualquer pessoa, porém a fixação dessa sexualidade como definitiva, demonstrava uma estagnação do avanço da sexualidade. Essa forma de enxergar a construção de gênero, apesar de se diferenciar de ser uma questão biológica e colocar uma historicidade neste processo, ainda traz severos equívocos. Principalmente, por determinar estágios da sexualidade tão limitados, que no mais do mesmo, traz a heterossexualidade como forma mais avançada – já que não utiliza o termo ‘correta’, diferenciando de uma discussão moralista ou uma discussão ideológica burguesa.
O papel da família se mostra importantíssimo nessa construção, se por um lado nos deixam pouco livres para construirmos nossa identidade, por outro reprimem-nos caso desejamos construí-la diferentemente da norma. Através de nosso órgão genital definem o que já entendem por “essência”, como se houvesse apenas uma expressão de masculinidade e uma expressão de feminilidade, onde o primeiro traz a força, a bravura, e o segundo traz a sensibilidade e a ideia de fragilidade. Essas duas únicas e antagônicas formas de expressão e de gênero são definidas através do órgão genital biológico, que a seguir discutiremos mais.
Engels, em A origem da Família, da Propriedade privada e do Estado, faz um resgate histórico baseado nos escritos de seu companheiro, já falecido, Marx, onde é capaz de apontar o desenvolvimento das gens (entende-se por grupo de parentes consanguíneos) e a criação da família (por família, entende-se união de pessoas sem laços sanguíneos) como forma reguladora das relações sexuais entre indivíduos pertencentes da mesma gens. Com a instituição da proibição do incesto, primeiramente, entre pessoas de gerações distintas (pais e mães), posteriormente entre irmãos e etc e depois com os avanços da criação de gado, a descoberta da agricultura e a domesticações de animais, foi possível aumentar a produção, alcançando um excedente – ainda pouco relevante. Mas foi o que possibilitou a escravidão de povos de tribos distintas que eram capturados pós-guerras por disputa de território, isso uma vez, que agora, um escravo ao trabalhar, poderia produzir mais do que sua subsistência, caso contrário – como antes era: sem produção de excedente – nada valia escravizar alguém que só poderia produzir o necessário para sua subsistência.
Essa primeira forma de exploração, foi que possibilitou transformar a divisão, que então era natural, em uma divisão sexual do trabalho. Onde as mulheres – que não se afastavam muito da aldeia por conta da necessidade de amamentar os filhos – tivesse um trabalho mais interno, o que não significa que era um trabalho, como hoje que perdeu toda a relevância social, pelo contrário,
“manuseavam a lã e o linho, teciam telas e fabricavam
roupas para a família, se dedicavam às tarefas de conservação de carnes e
produção de demais alimentos, como o queijo e manteiga preparados a partir do
leite, etc. Seu trabalho doméstico tinha outra relevância social. Em casa eram
produzidos muitos produtos, que se excedentes, podiam ser levados ao mercado e
ser considerados como mercadorias, como coisas de valor. Isso porque só os
recursos fornecidos pelo trabalho do homem, sem o trabalho doméstico da mulher,
não bastavam para manter o lar. Por conseguinte, nesta época, a dona de casa
contribuía para aumentar a riqueza econômica do país”.[2]
Essa divisão social, que gerou a desigualdade social entre os gêneros obrigou as mulheres a se submeterem a monogamia – o que na época era uma alternativa para negar-se a manter relações sexuais indesejadas, depois se tornou uma das bases fundamentais de sua opressão.
Como aprofundou Engels, Bachofen e Morgan, a transferência do coletivo matrilinear para o privado patrilinear, com o homem como proprietário das terras e de sua esposa, ocorreu anteriormente do capitalismo. Mas foi neste sistema, que hoje nos encontramos, onde isso tomou as proporções que vemos hoje. A contradição entre o campo e a cidade, a socialização dos meios de produção, mas a apropriação privada, da riqueza nacional e a pobreza do país, reflete-se dentro da célula familiar. Imprimindo seus valores e reproduzindo exatamente os mesmos na formação e construção dos indivíduos que nascem já dentro dessas condições. No Manifesto do Partido Comunista, Marx indica que
“O burguês encara a sua mulher como um simples instrumento de produção. Ouve dizer que os instrumentos de produção serão explorados em comum e, naturalmente, chega à conclusão de que haverá também uma comunidade de mulheres. Não suspeita que o objetivo real é arrancar a mulher de sua posição de instrumento de produção.”
“O burguês encara a sua mulher como um simples instrumento de produção. Ouve dizer que os instrumentos de produção serão explorados em comum e, naturalmente, chega à conclusão de que haverá também uma comunidade de mulheres. Não suspeita que o objetivo real é arrancar a mulher de sua posição de instrumento de produção.”
Para enriquecer e aprofundar nosso debate é indispensável retomarmos o conceito de Flora Tristan, quando ao evidenciar a opressão superlativa das mulheres defini-as como as proletárias dos proletários.
Trotsky, revolucionário, membro do partido Bolchevique, em sua obra Questões do Modo de Vida, traz a discussão da dissolução da família patriarcal burguesa e das contradições que se abrem com a busca da mulher num papel social mais destacado e o combate do proletário revolucionário que precisa respeitar e aniquilar os valores e vantagens que o capitalismo de propiciava pelo sua identidade de gênero homem.
Segue abaixo, o trecho do sexto capítulo, 'Da antiga à nova família':
Segue abaixo, o trecho do sexto capítulo, 'Da antiga à nova família':
"No que diz respeito ao modo de vida familiar, o período de destruição está longe de ter terminado e encontramo-nos ainda em pleno numa época de desmantelamento e dedes locação (...). O modo de vida é muito mais conservador do que a economia e é alias essa a razão por que é de mais difícil compreensão. Em política e em economia, a classe operária procede como um todo; (...) a classe operária está dividida em pequenas células familiares. A transformação do poder e mesmo a do regime econômico (com os trabalhadores tornados proprietários das fábricas e oficinas) são tudo factos que, por certo, se refletem na família, mas só do exterior e por forma indireta, sem abalar os seus hábitos diretamente herdados do passado. A metamorfose do modo de vida e da família exige da classe operária no seu conjunto uma consciência aguda dos problemas e dos esforços a fazer; isso pressupõe, da parte da própria classe operária, um enorme trabalho de educação cultural. A charrua deve rasgar a terra em profundidade. Estabelecer a igualdade política da mulher e do homem no Estado soviético é um dos problemas mais simples. Estabelecer a igualdade económica do trabalhador e da trabalhadora na fábrica, na oficina, no sindicato, é já muito difícil. Mas estabelecer a igualdade efetiva do homem e da mulher na família, eis o que é incomparavelmente mais complicado e exige imensos esforços para revolucionar todo o seu modo de vida. E, no entanto, é evidente que enquanto a igualdade do homem e da mulher não for atingida na família, não se poderá falar seriamente da sua igualdade na produção nem mesmo da sua igualdade política, pois se a mulher continua escravizada à família, à cozinha, à barrela e à costura, as suas possibilidades de agir na vida social e na vida do Estado conservam-se reduzidas em extremo (...)
Como já se disse, acontecimentos de importância considerável — a guerra e a revolução — subverteram o modo de vida familiar, trouxeram consigo o pensamento crítico, a reorganização consciente e a reavaliação das relações familiares e do modo de vida quotidiano. É precisamente a combinação da força mecânica desses grandiosos acontecimentos com a força critica do pensamento que explica, no domínio da família, o período destrutivo que hoje conhecemos. É somente hoje, após a tomada do poder, que o operário russo dá os seus primeiros passos na via da cultura. Sob a influência de abalos profundos, a personalidade subtrai-se pela primeira vez às formas e as relações impostas pela rotina e a tradição da Igreja; será estranho que a sua revolta individual contra a antiga ordem assuma de inicio formas anárquicas ou, falando mais grosseiramente, formas desenfreadas? O mesmo observamos na política, na economia e no exército: anarco-individualismo, “esquerdismos” de toda a espécie, espírito “partisan”, mania das reuniões. Será afinal estranho que esse processo encontre a sua mais intima, e logo a sua mais dolorosa expressão, no domínio da família? Neste caso, a personalidade libertada que quer construir a sua vida de forma nova e não segundo a tradição, manifesta-se pelo desregramento, o “vício” e outros males evocados no decurso da assembleia de Moscovo.
O marido, arrancado pela mobilização às suas condições de vida habituais, toma-se na frente um cidadão revolucionário. É objeto de uma imensa revolução interior. O seu horizonte alarga-se, as suas exigências espirituais elevam-se e tornam-se mais complexas. Ei-lo um outro homem. Regressa à família. Tudo ou quase tudo ali permanece como antes. A antiga unidade familiar desapareceu, enquanto que uma nova unidade não surgiu. A surpresa de parte a parte transforma-se em descontentamento. O descontentamento em irritação. A irritação leva a separação.
O marido, comunista, faz uma vida social ativa, progride e encontra nela o sentido da sua vida pessoal; Mas a mulher, também comunista, deseja tomar parte no trabalho da coletividade, participar nas reuniões, trabalhar no Soviete ou no sindicato. A família desagrega-se pouco a pouco ou a intimidade familiar desaparece, os conflitos multiplicam-se, o que suscita uma irritação mútua que conduz ao divorcio.
O marido é comunista. A mulher não tem partido. O marido é absorvido pelo seu trabalho de militante, a mulher está, tal como antes, confinada ao circulo familiar. As relações são “pacificas”, fundando-se de facto sobre a indiferença mútua. Mas eis que na célula se decide que os camaradas devem pôr de parte os ícones. O marido considera que isso é natural. Mas, para a mulher — é um drama. E este pretexto verdadeiramente fortuito revela que abismo espiritual separa o marido da mulher. As relações envenenam-se e desfecham na separação. Uma velha família, dez ou quinze anos de vida em comum. O marido é um operário consciencioso, um bom pai de família, e a mulher gosta do seu lar e dispensa toda a sua energia à família. O acaso põe-na em contato com uma organização feminina”.
Um novo mundo se abre para ela. A sua energia encontra ai um campo de ação muito mais vasto. Na família, é a derrocada. O marido zanga-se, a mulher vê-se ofendida na sua dignidade de cidadã. É o divórcio”.
Para Reich, psicanalista nascido na Ucrânia, militante
comunista, expulso tanto do stalinista PC alemão quando da associação
internacional de psicanalistas, criador do movimento de juventude SEXPOL
(política sexual) que chegou a organizar aproximadamente 40 mil jovens no
sentido de lutar contra a influencia da moral sexual burguesa na vida da
juventude, trabalhou ao lado de Freud por aproximadamente uma década até
romperem relações por divergências teóricas e políticas.
"A família e a escola, com efeito, não passam, nos nossos dias, de um ponto de vista político, de oficinas de ordem social burguesa, destinadas a fabricação de pessoas ajuizadas e obedientes. O pai, na sua figura habitual, é o representante das autoridades burguesas e do poder de Estado na família. Autoridade do Estado exige dos adultos a mesma atitude obediente e submissa que aquela que exige o pai dos seus filhos quando são pequenos ou adolescentes. A falta de espírito crítico, a proibição de protesto, a ausência de opinião pessoal caracterizam a relação das crianças fiéis a sua família, com os pais, assim como as dos empregados e funcionários devotados às autoridades, com o Estado, e na fábrica”.
Isto é, a instituição familiar reforça o controle estatal sobre os corpos (como a proibição do aborto) que sua intenção segundo Reich é manter um permanente “exercito industrial de reserva” para a manutenção e continuidade do sistema, garantindo a existência dos indivíduos que irão trabalhar e ser explorados.
Isto é, a instituição familiar reforça o controle estatal sobre os corpos (como a proibição do aborto) que sua intenção segundo Reich é manter um permanente “exercito industrial de reserva” para a manutenção e continuidade do sistema, garantindo a existência dos indivíduos que irão trabalhar e ser explorados.
A compreensão disso nos faz refletir sobre quem éramos, somos e queremos ser. E compreender de forma dialética, como somos os três estágios dessa construção. Somos ainda a continuidade (tendo avançado ou retrocedido) do que éramos, somos o que somos no momento em que vivemos e também já somos um pouco do que nos esforçamos e desejamos vir a ser.
Muito das explicações biológicas foram cruciais e influentes nos discursos de especialistas no final do sec. XIX. Consolidando a ditadura binaria e contribuíam para a ideia de essência e da heteronormatização. Isso foi cristalizado no discurso medico legal, sendo uma criação da heteronormatividade cientifica, que como nós sabemos, a ciência hoje por estar a serviço da burguesia utiliza este como um discurso ideológico e quando demonstra resultados ou pesquisas mais complexas, tornam-se inquestionáveis, pelo menos, por um tempo.
Não somente para senso-comum, as travestis e transexuais são questionadas por sua construção de gênero que também recai – apesar de até o fim estar longe da normatização e da padronização estabelecida as mulheres e homens com respectivamente vaginas e pênis) na nas limitações, nas caixinhas, etc. Essa construção de gênero que traz diversas pressões subjetivas e objetivas ligadas ao que se entende por feminino e por masculino e qual papel da mulher e do homem dentro da sociedade atual, impõem limites reais, sem dúvida. Mas o fato de questionarmos apenas essas formas de construção, demonstra o quanto nos é naturalizado o homem e a mulher heterossexuais, sendo respectivamente, masculinos e femininas, machos e fêmeas. É importante para os humanos que construíram-se com essas combinações de características, também rever o quão limitadoras e padronizadas são suas expressões. Por isso, escrevo abaixo sobre a padronização dos corpos machos, por vê-los como mais naturalizados.
O antropólogo Marcos Renato Benedetti[3] contribuiu bastante resgatando historicamente o aparecimento das travestis:
“Berdaches eram indivíduos que, nascidos homens, passavam a adotar vestimentas e comportamentos femininos, executavam tarefas e atividades nitidamente destinadas às mulheres e praticavam sexo com homens, geralmente no papel de passivo. Esses indivíduos eram reconhecidos como pertencentes ao gênero feminino e desfrutavam de papéis sociais legítimos e, às vezes, específicos nas culturas em que viviam”. Assim como Mahu do Taiti, Xanith de Omã, Fa’afafine de Samoa, Panema entre os guaiaqui do Paraguai...
Muito da esquerda ainda hoje, apesar de ir contra a maré de patologização, não significa derrotar a transfobia, principalmente a internalizada. A dificuldade, que a seguir tentaremos esclarecer, de entender a construção livre dos padrões já estabelecidos. Ter esse dado, nos fortalece, a evidenciar que os indivíduos ao se construírem socialmente se identificam com seus gêneros por distintos níveis de sensibilidade, que vão para muito além das genitálias. Que historicamente isso se desenvolveu, não já como fruto do sistema capitalista – assim combatemos também a visão da influencia capitalista nessa identificação, apesar de ter uma influencia real sobre as normatizações, as idealizações a respeito e a necessidade criada da coerência entre o corpo e a mente. Mas é nessa produção do corpo física que se tornam agentes de suas próprias vidas.
As teorias, pós-identitárias, trazem um combate aos nomes e ideias heteronormativas. Se por um lado abandonam o viés classista e pouco analisam a realidade de forma capaz de compreender que o Pink Money e a relação do consumismo com os problemas sociais é anterior ao consumo, mas baseado ainda na relação da produção. Pouco colocam os trabalhadores como sujeitos centrais da revolução e esquecem do sujeito consciente que não nos permite avançarmos: a burguesia. Grande parte dessa dívida está na esquerda mundial, obviamente que não podemos tirar a culpa do stalinismo e mesmo a sua influencia nos demais partidos de esquerda, mas de fato, pouco se produziu nesse campo, deixando para outras correntes decorrerem sobre essa discussão, exemplo disso, Michel Foucault. Cabe a nós, hoje, conseguirmos identificar seus avanços e limites e avançar no fio de continuidade deixado por seus estudos – honráveis – uma vez que poucos se debruçaram sobre o assunto.
Se por um lado, isso indica a tarefa que nós, LGBTTTs organizados em partidos revolucionários, temos para responder. Significa buscarmos uma das conquistas que a revolução de Outubro de 1917, na Russia, trouxe para nós:
Obviamente também esta conquista da revolução foi destruída pelo stalinismo. Isto pode ser constatado, por exemplo, na edição de 1971, a Grande Enciclopédia Soviética, onde que lê: ‘homossexualidade é uma perversão sexual consistente em uma atração antinatural entre pessoas do mesmo sexo. Dá-se em pessoas de ambos sexos. Os estatutos penais da URSS, os países socialistas e inclusive alguns estados burgueses, punem a homossexualidade...’.”. (Texto retirado do site do PSTU, http://www.pstu.org.br/secretaria_glbt_programa01.asp ).
Se por um lado, isso indica a tarefa que nós, LGBTTTs organizados em partidos revolucionários, temos para responder. Significa buscarmos uma das conquistas que a revolução de Outubro de 1917, na Russia, trouxe para nós:
“A posição dos bolcheviques em relação ao homossexualidade,foi expressa em um panfleto escrito pelo médico Grigori Batrkis, diretor do Instituto Moscovita de Higiene Social. Os revolucionários russos afirmavam: ‘a atual legislação sexual da União Soviética é obra da Revolução de Outubro. Esta Revolução é importante não somente como fenômeno político que garante o governo político da classe operária, mas também porque as revoluções que emanam desta classe chegam a todos os setores da vida (...) Declara a absoluta não interferência do Estado e da Sociedade nos assuntos sexuais, sempre que não lesem a pessoa alguma e não prejudique os interesses de ninguém (...) A respeito da homossexualidade, sodomia e outras várias formas de gratificação sexual, que na legislação européia são qualificadas de ofensas à moral pública, a legislação soviética as considera exatamente igual a qualquer outra forma da chamada relação “natural” (aspas dele). Qualquer forma de relacionamento sexual é um assunto privado. Somente quando se emprega a força ou coação, e geralmente quando se ferem ou se lesam os direitos de outra pessoas, existe motivo de perseguição criminal’.
A construção sociocultural do macho, masculino, heterossexual, homem.
A combinação de sexo, gênero, orientação sexual e identidade de gênero: macho, masculino, heterossexual, homem também foi construído historicamente e legitimada pelas necessidades da família patriarcal burguesa. A desconstrução desse padrão normativo (conhecido como heteronormativo) precisa ser feita de forma cuidadosa. Isso, não significa que essa combinação tenha que ser abolida, porém não pode ser encarada como algo natural/correta a todos os machos. Ou encarada como se o sexo biológico (macho/fêmea) necessariamente precisasse ser mantido. Até porque o sexo, visto como imutável: antes pelo atraso da ciência, com pouquíssimas pesquisas sobre o assunto e pouca intenção da burguesia em aprofundar esse avanço cientifico, hoje pela ideia reacionária de vangloriar o “natural” (natural, isto é, entendido por contrário do que é feito/produzido pelo homem. A mesma visão que a geografia conservadora muito ainda visível nas escolas sobre o que é natureza: o que não teve interferência do homem). Essa reivindicação do natural, além de se conciliar bastante com a visão “biológica determinista” ou mesmo “religiosa destinada” nega os avanços científicos produzidos pela humanidade á serviço da manutenção da família tradicional.
Já o comportamento masculino, isto é, visto como mais grosseiro, insensível, afastado ou excluído dos traços femininos (só existe em oposição ao feminino) e traz em si uma “essência” de gênero. Essa concepção de essência pouco é levada até as últimas consequências. Pois traz em si, um conceito de uma natureza própria, já definida, já pré-estabelecida independente da classe, da sociedade, da época e da cultura. Como se os machos de todas as classes, todas as sociedades, todas as épocas e de todas as culturas sempre tivessem se comportado desta forma. Serve apenas para esconder uma das necessidades da burguesia de ter trabalhadores que não se abalem com essa vida de miséria fruto do capitalismo. Faz e cria-os como fortes e isentos de sensibilidade, tratam suas companheiras/companheiros como relações de propriedade – uma vez que se tornam uma relação econômica entre si – e mantem-se fortes o suficiente para vender sua força de trabalho e produzir a mercadoria, que adquirirá valor e preço, enquanto também deixa suas horas não pagas como parte do lucro do seu patrão. Além de reafirmar um sentimento de época, fortemente empurrado pelo capitalismo, de auto-suficiência e individualismo que pouco é compreendido como tal, mas sim, camuflado por uma "personalidade" ou "forma de ser", que expressam por si só, uma personalidade essencialista,, polarizando um pouco, aproxima-se de quanto os signos e a nossa essência - senão biológica, fruto da 'alma' - nos faz o que somos, ou seja, uma visão nada materialista, nada dialética, nada marxista.
A heterossexualidade atrelada a família patriarcal burguesa, por conta da procriação, isto é, a reprodução humana já constituída dentro de um núcleo familiar, onde estes homens (pais) precisam se posicionar como autoridade e repressor para que o filho siga seu exemplo, enquanto a mãe cumpre o papel social de providenciar a sobrevivência do marido e menos gastos para o patrão. Cumpre a mulher, este papel lavando seus uniformes, fazendo-lhe comida, cuidado dos filhos, servindo-o de válvula de escape e de companheira nas horas que lhe for necessário. A mãe, a mulher oprimida sem mais identidade de individuo, cumpre um papel insignificante socialmente, porque assim lhe foi imposto. E cumpre um papel fundamental para a manutenção da família patriarcal burguesa e para a sobrevivência desta combinação (modelo) de homem.
Agora, uma vez, a heterossexualidade desassociada da reprodução, esta passa a ser combatida. Quando deixa de cumprir seu papel na manutenção do sistema capitalista e torna-se uma forma de prazer para os proletários, é quando os discursos morais e religiosos aparecem.
O que nos ajuda a desvencilhar a relação sexual da reprodução sexual, (heterossexual e homossexual, usada como justificativa da primeira correta e a segunda uma abominação) são dois fatores fundamentais. O primeiro, diferentemente dos demais animais (irracionais), nós humanos, jamais passamos pelo estágio de cio. Significa que nossas relações sexuais não são biologicamente determinadas pelo extinto e com ciclos pré-estabelecidos. Podemos ter relações sexuais independente do período que estamos (independente até do período fértil das mulheres). A atração física não está ligada – muito menos diretamente – com o sexo oposto mais forte e capaz de gerar descendentes mais capazes de sobreviver ao meio em que vivemos. Nossa atração está ligada diretamente com as associações e assimilações que adquirimos socialmente. Faz parte da construção, como dizemos anteriormente, iniciada na era primitiva, ou melhor, na infância. Em segundo lugar, a falta de informação sobre a ligação direta da relação sexual, ou propriamente da necessidade do esperma do macho fecundado pelo útero da fêmea para haver reprodução, impedia que a humanidade desde sempre tenha optado pela heterossexualidade por esses fins. Não é preciso buscar tão longe essa evidencia. Hoje, aos dez, onze anos, períodos considerados bem jovens (ao menos nos nossos tempos) muitas mulheres engravidam, exatamente pelo ato sexual não ter uma relação tão nítida e obvia com a reprodução dos seres humanos.
A sexualidade enquanto forma de existir no mundo, uma forma de gozar e manter relações prazerosas são combatidas pelo sistema capitalista. Se por um lado a moral cristã persegue as mulheres e LGBTTs, na tentativa de, para as mulheres, enquadrá-las no papel de mãe (este papel que exige passar por um processo de tornar-se assexuada, ou sufocá-la), por outro lado, os homens são educados com uma sexualidade violenta. Onde se expressa bastante em sua comunicação, com termos “arregaçar”, “foder”, “deixar sem sentar”. A lógica do sexo heterossexual, para estes homens, é doentia. O que é importante vermos aqui, ainda, é como essa repressão também é transmitida na marginalização do funk, por extremo moralismo e conservadorismo. Assim como a pornografia[4] – senão a própria prostituição – tem grande espaço na vida das pessoas. Uma vez que é uma forma de obter o prazer máximo, esse seria: corpos padronizados, expostos, disponíveis, sem a necessidade de se expor. A reprodução das contradições, na prostituição o nível máximo da opressão aos corpos, onde se é necessário vender-se a si mesmo, por preços tão baixos, para humilhações, satisfação alheia e em detrimento de diversas possibilidades de contaminação com DSTs, estupros e a própria morte. Tudo isso, a serviço do capital. E quem são essas mulheres e travestis? São as filhas proletárias – em grande maioria – que foram submetidas a essas condições. De onde vieram? Pra onde vão? Suas histórias pouco são retratadas, uma vez que a pressão de vender-se própria, significa uma dinâmica de vida distinta, uma objetivação para consumo do corpo, provoca uma necessidade de manter-se fisicamente atraente, com uma intensidade de vida e correria, que dificulta uni-las a nossas fileiras e libertá-las dessa condição.
Apesar de que os membros dessa combinação de características são privilegiados, pois, são os homens quem tem o direito de terem incontinência sexual. Isto é, enquanto as mulheres são educadas a não estarem disponíveis para sua própria sexualidade, os homens podem tranquilamente não controlar sua sexualidade e manter relações sexuais com diversas mulheres (isso também por serem heterossexuais) ocasionalmente, sem qualquer crítica.
Este modelo de homem – que deveria ser seguido por todos os demais machos, masculinos ou não, heterossexuais ou não, homens ou não – carrega consigo a alegria do pau. Isso é, a vantagem de ter um órgão genital que é exposto e bem visto socialmente. Indispensável – segundo a sua lógica de normatização – para alcançar o prazer e para se considerar uma relação sexual.
Outra expressão dessas vantagens é o avanço cientifico das pílulas azuis – Viagra – que prolongam a vida sexual dos machos. Nesse sentido, vê-se uma preocupação especial com estes em desenvolver meios para garantir sua sexualidade satisfeita. Enquanto o gozo da mulher é completamente ignorado.
O que pode ser óbvio entra agora com uma grande centralidade. Essa construção de gênero e da sexualidade não se dá de forma isolada. Outros fatores contribuem para onde caminha essa construção. A classe social e a cor de pele somam-se em como a sociedade te vê e te impõem novas pressões. Um homem – como citamos anteriormente – branco recebe uma facilidade de vida que será menor do que um preto receberia. Assim como um burguês não enfrentará dificuldades e tamanhas repreensões como sentirá na pele um trabalhador vindo da periferia. Esses dados determinam, para nós – os revolucionários – quem defendemos e quem sente essas opressões democráticas, mas também são responsáveis pela sobrevivência dessa ordem conservadora e repressora.Os negros e negras que constroem seu gênero sofrem uma
opressão distinta e mais latente.
É importante que essa questão não passe com menor intensidade. A discussão negra - ainda mais aqui no Brasil - tem um papel estratégico para os revolucionários, se ligar aos trabalhadores e trabalhadoras exploradxs, do setor mais precarizado, é se ligar aos pretos e pretas. A cor da pele garante que este povo seja reconhecido em todos os espaços que circulam. Não há como separar seu dia-a-dia do racismo. Para as mulheres negras, não da para separar do machismo e nem do racismo. Se decidem assumir sua origem, com cabelos não alisados, se decidem não se esbranquiçar - assim como também se opta por não se heteronormatizar, e essa opção significa um combate diária consigo mesmo - então é apontada e discriminada claramente. A ditadura para estes, é no corpo. Se sente, materialmente, pela sua existência.
Nesse importante resgate ve-mos a participação dos
Panteras Negras em Stone Wall, assim como as dicussões do povo negro realizadas
no Lampião de Esquina, jornal de 1979 criado por LGBTs. A grande lição de
resistência deixada pelos haitianos, a revolução dos escravos isurreitos , a
sobrevivência e combate contra o genocidio de seu povo, é para os LGBTs, deve
ser, a tradição de auto-defesa, de ataque aos opressores, igualmente vivenciado
pelas travestis que - não por acaso - foram linha de frente de Stone Wall,
foram, porque estavam materialmente mais preparadas. Porque a vida lhe exige
preparo. Exige saber se defender, caso contrário, não saberemos se voltaremos
todos os dias para casa.
Isto também se coloca, como não é possível para qualquer um se construir. Somente a quantia financeira necessária para a modificações cirúrgicas mais os hormônios já inviabilizariam muitas e muitos de concretizarem sua construção. Ainda mais a falta de informações e saídas menos opressoras, faz com que muitas pessoas dispostas a construir seus gêneros – e colocam essa construção acima de tudo, como primeira hierarquia de vida – se matem por cirurgias clandestinas, por auto-medicações e auto-operações, etc.
Por último, não podemos deixar de colocar: o que os hormonios e as cirurgias trazem as TTs (travestis e transsexuais) além de afirmarem suas identidades? Quanto de normatização e refugio há nestas escolhas? A subversão, o questionamento da ditadura binária, a origem e a decisão de ter mudado são apagados pelas TTs quando atigem seus objetivos? Onde se encontra a Transgressão que o T representava para as subversivas travestis e transexuais que lutavam contra a policia, vide Stone Wall, e contra o genocídio de suas semelhantes?
Muito dessas operações na busca de se auto afirmarem e reforçarem sua identidade para fora de si, trazem contradições como a omissão do passado, mantendo a concepção dualista do corpo hoje ainda muito legitimada pelas travestis e transexuais, o que contribuiu para o uso dos termos como “invertidos” ou “desviantes”.
E quais são os objetivos dessa construção, além das questões individuais? Há algum questionamento estratégico? O que de tão desconhecido e curioso não pode, para os revolucionários, ser um sinônimo em si de libertário e revolucionário.
*
A necessidade de separar essa combinação especifica de uma norma fixa e obrigatória ou mesmo uma norma utilizada como parâmetro, como ponto de partido, fica visível e clara. Os revolucionários, não devem exigir o fim dessa combinação, porque esta combinação escolhida ou desenvolvida em outra sociedade talvez não provocasse tamanho dano. O que aqui se combate é a normatização de determinada combinação utilizada pela burguesia para determinar nossas vidas e comportamentos. À serviço de quem está nossos corpos, nossas vidas, nosso tempo? Hoje? À serviço dos grandes empresários e grandes capitalistas.
Por isso, é necessário compreendermos que a opressão que sofremos é uma opressão de classe. E como forma de implementá-la, nos dividem em divisões binárias de homens ou mulheres, brancos ou pretos, heterossexuais ou homossexuais, efetivos ou terceirizados, machos ou fêmeas, masculino ou feminino. A essência consiste em um excluir o outro. Um em oposição ao outro. Um em guerra com o outro. Nós, enquanto marxistas-dialéticos, não analisamos a realidade desta forma mecânica e conservadora. Mas somos capazes de enxergar o quanto fomos limitados a nos expressarmos e nos construirmos, mas que existimos enquanto seres humanos, capazes de transitar por todas as experiências e todas as formas de expressão. Que o determinante é a modificação constante. As inúmeras combinações não são estáticas e o processo de construção não se encerra, porque nem mesmo a morte pode ser a síntese. A morte, sem dúvida, encerra nossas ações e nosso raciocínio consciente, mas nosso corpo ainda se mantém em transformação até ter se transformado tanto a ponto de não mais conseguirmos – pelo menos hoje – mais o reconhecer, pois é nesta hora que o homem demonstra nunca ter saído da natureza, mas permanece e é em si, parte dela mesma.
A necessidade de nos afirmarmos e tomarmos atitudes para que expressem nosso gênero ou sexualidade demonstram a contradição de como encararmos a identidade. Como nos colocamos dentro de caixinhas e depois nós mesmos reprimimos nossas ações para preservar nossa construção.
A opressão que carrega o feminino – independente de ser homem ou mulher, fêmea ou macho – é visível. Os homossexuais, homens, que tem comportamentos mais femininos (entende-se agora por feminino gesticular as mãos, voz fina, cabelos longos, fragilidade, nojo por determinados animais <insetos>, etc) são mais oprimidos do que homossexuais com comportamentos masculinos (entende-se por masculino, em oposição ao feminino: não gesticular as mãos, voz grossa, cabelos curtos, força física, etc).
Muito disso também se encontra na busca pelo príncipe encantado, isto é, o modelo estereotipado do homem perfeito, que é exatamente o homem supracitado. Por este ser o padrão dos desejos, a grande maioria das pessoas acabam buscando estes como companheiros. As mulheres, travestis, transsexuais e os homossexuais buscam o mesmo homem. Obviamente, que isso gerará conflitos, uma vez que a subjetivação de todas em não alcança-lo e principalmente em não conseguir desenvolver atração ou desejos sinceros por outras combinações de seres humanos, os farão viver numa miséria sexual onde seus corpos não são aceitos e nem outros corpos são desejados, pois só existe um perfil de homem e um perfil de mulher (e só existe esses dois gêneros) para se apaixonar e se encantar, no mundo capitalista, onde a diversidade e a pluralidade são esmagados pelas necessidades econômicas.
A validação da masculinidade está baseada no ato de expelir a feminilidade e a homossexualidade dentro dos homens. A construção da masculinidade hegemônica requer total vigilância da parte dos homens sobre eles mesmos, separado das mulheres e da homoerótica. Torna-se um trabalho exaustivo, onde é preciso tomar cuidado e ficar atento a sua construção. Assim como as travestis que fabricam seus corpos, mas se constroem femininas através do que entendem por feminino, tomando posturas as vezes que reforcem sua feminilidade como forma de compensar suas expressões ou características físicas de macho.
As relações entre pessoas do mesmo gênero se dão de diferentes formas. Isto é, os homens em si, estabelecem relações por misoginia e homofobia. A homofobia é uma parte intrínseca dessa constituição da relação. É através desses dois valores, que se auto-afirmam como homens, como machos, homens, heterossexuais e másculos e então desenvolvem uma relação por unidade em oposição à diversidade.
Relações de poder: a necessidade de uma saída independente!
A construção da subjetividade assim como uma característica especifica dos setores oprimidos da sociedade se da pela necessidade de auto-defesa e combate diário. Quando se discute a importância, e o acerto estratégico, da unificação das opressões, se discute o combate a divisão de nossas fileiras, assim como também se discute, mesmo que de forma ainda incipiente, a resposta dos oprimidos, tornando-se seres independentes, responsáveis pela sua sobrevivência e auto-organização.
Nesse sentido, é importante uma postura dos LGBTTs, assim como das mulheres e dos negros, que consiga deixar expresso esse combate – tanto feito consigo mesmo – agora externado. O condicionamento de nossos desejos em determinados padrões sociais – que nos excluem completamente – nos exige um retorno. Somado a isso, as tarefas que assumimos ao nos organizarmos enquanto classe e defendermos nossos irmãos e irmãs pela tomada do poder e a ditadura do proletariado nos constroem de forma também distinta.
É importantíssimo que nos rebelemos contra as normatizações de nossos desejos, sobretudo sobre a nossas submissões aos homens, aos heterossexuais e aos brancos. Com muito cuidado e atenção, para não cairmos no infantilismo ou no populismo, pois essa postura independente não significa de modo algum, a atingir o mesmo objetivo da burguesia que é separar nossas fileiras, mas sim, entender que dentro deste sistema capitalista, até mesmo nossos camaradas, nossos dirigentes, nossos amigos profundos, os homens, os brancos e os heterossexuais mais revolucionários estão bombardeados da ideologia dominante. Assim como nós mesmos, não estão isentos dos desvios. Mas a nossa vivencia enquanto preto, enquanto LGBTT, enquanto mulher nos impede de nos adaptarmos a democracia burguesa e as opressões naturalizadas pelo estado burguês.
Existe uma relação de poder sobre nós, e isso é preciso deixar claro. Apontá-lo, para enfim darmos o devido combate. Não somos vitimas, somos revolucionários. Entendemos a opressão como uma opressão de classe, dada a todos nós, mas não podemos por isso, ignorar as demais opressões que sustentam o capital.
Se de um lado, o gênero, a cor e a orientação sexual se apresentam como uma relação de poder, onde as mulheres, negrxs e homossexuais são submetidos a inúmeras opressões, crises, dificuldades, para o lado oposto, a vida é facilitada e legitimada o tempo todo. Os homens, brancos e heterossexuais que não questionam essas questões, não se colocam dentro do balanço e do combate importantíssimo que precisamos avançar.
O controle exercido por estes – nem sempre, ainda mais no caso de nossos camaradas definitivamente não é – de forma consciente. Mas materialmente isso se dá, porque não é um reflexo apenas das ações, mas do que elas representam enquanto fator social. As consequências para cada lado exercerá uma pressão e uma contradição distinta.
Nossa resposta a isso deve ser principista. Porque como nossa existência, determina nossa consciência, o desdobramento de nossas posturas abrem contradições ou superações. O nosso desempenho politico e pessoal também se relaciona diretamente com isso. Resgatemos então, na história, os grupos que se auto-organizavam para defender-se e para atacar os inimigos.
É exclusivamente a necessidade de sobrevivermos, ainda hoje, dentro do próprio partido revolucionário, dentro da própria esquerda, dentro do próprio movimento LGBT que esse grito e essa saída independente se torna fundamental. A necessidade de sairmos da defensiva, de se precisarmos falar merda, por quê não? Os homens heterossexuais só falam coisas importantes? Se por um lado, não combatemos os nossos camaradas, mas seus desvios e atrasos, por outro lado, não podemos nos deixar atingir por tamanha pressão subjetiva e objetiva de nos calarmos.
Não serão os brancos, nem os heterossexuais, nem os homens que nos emanciparão, este papel, nós mesmos iremos cumprir, por nós mesmos.
Nem a bolha partidária, nem os guetos! Como trotskystas, reivindicamos o mundo!
Os revolucionários, não podem depender do partido revolucionário em todas as esferas de sua vida material. Não viver dentro da bolha partidária – buscando ter relações profundas somente com os camaradas, ou uma relação amorosa (sexual) – nem os guetos, que vivem a parte do mundo real. Mas como trotskystas, defendemos e reivindicamos o mundo. É ele que queremos tomar para nossas mãos. Assim como deixemos o vermelho e o preto um pouco de lado, porque são todas as cores das quais sentimos falta e queremos usufruir. Lutamos para retomar a terra, as produções e o modo de vida que nos foi roubado. Mas é importantíssimo, que não esqueçamos que essa conquista não se dará por meios individuais. Pelo contrario, só será possível isso se desde já nos colocarmos a tarefa de reconquistar nossos espaços. Para isso, é preciso não nos adaptarmos com as pequenas conquistas – as famosas migalhas – que não nos enchem, nem nos satisfazem, concedidas pelo capitalismo. Não queremos uma parte do bolo, não queremos nos esconder ou nos refugiar nos guetos. Queremos ir e vir de todas as culturas. Queremos a diversidade espalhada, trocando, reproduzindo à serviço do avanço da humanidade.
'Ou sim ou sim'?
Para os revolucionários, a construção de gênero não está submetida apenas as vontades do individuo, mas está submetida as condições específicas que vivemos hoje. Não haverá uma construção livre de padronizações e livre de contradições enquanto reinar o capitalismo. Muito menos será uma construção emancipatória, porque os revolucionários entendem que a emancipação se dará através da tomada do poder e a derrubada política e física da burguesia. Não haveria outro modo de emancipar. E é claro, isto se dará pelas mãos de um sujeito histórico determinado pelas condições impostas pelo sistema vigente: os trabalhadores.
Como então, buscarmos, e em qual perspectiva construiremos nossos corpos e nossos gêneros? A prioridade dos revolucionários é uma saída individual de construção e emancipação, ou a construção partidária capaz de dirigir os processos da luta de classes à serviço da vitória de nossa classe? Não é possível que a defensiva dessa discussão - não é possível que para nós, os revolucionários, essa discussão seja ainda um tabu – e isso nos impeça de fazê-la.
Repito em todas as linhas sobre os revolucionários, porque é esta a tarefa que em tempos como os nossos, onde a história começa novamente a demonstrar o fim de um período de restauração burguesa (física: com a restauração do capitalismo em ex-estados operários; e subjetiva: subjetividade da classe operaria, da juventude e adaptação dos partidos de esquerda com a democracia burguesa, as leis, a preparação de quadros e dirigentes, etc).
Para nós, se reatualiza o período descrito por Lenin de crises, guerras e revoluções; do imperialismo como a véspera da revolução socialista; do processo de diminuição do nível de subjetividade e crescimento do da crise (e necessidade) de direção revolucionária.
Nos damos esta tarefa.
Se a construção de gênero e a busca do quem somos é uma decisão de 'ou sim ou sim', não há porque discutirmos. Não há discussão se não há possibilidades de mudança. Mas não é dai de onde partimos, mas sim, de qual a hierarquia? A construção de um partido revolucionário, a dedicação a forjar-se como dirigente, a busca por um aumento do nível teórico, se dar mais tarefas, refletir e intervir, também estão ligadas a uma decisão 'ou sim, ou sim'?
Eu, Virginia, construo-me não só de roupas, gestos e nomes. Construo-me de questionamentos e de revolta. A minha resposta as opressões é organizar a classe trabalhadora para encerrar essa vida de miséria. me proponho a dirigente, me proponho a lutadora revolucionária. Ser travesti não me basta, não me basta ser apenas uma combinação diferente. Me bastará somente a morte do capital, porque meu peito (seja ele representativo ou o que eu venha a construir) exige a sua queda.
Adeus, Capital. Nós, nos damos a tarefa de aniquilá-lo.
[1] Apesar da bissexualidade ser usada como uma compensação em muitos casos como “pelo menos ele/ela ainda gosta de homens/mulheres. É importante analisarmos que a teoria queer, apesar de todas as debilidades que rapidamente são apontadas neste texto, traz uma interessante caracterização de uma homonormatização. Essa normativa criada para os homossexuais, os coloca em mais subdivisões e promove a homofobia internalizada. Onde todos buscam ‘ser limpinhos’ – isto é, mais próximo do padrão heterossexual possível – isso por um lado. Por outro, a bissexualidade pouco é reconhecida como uma sexualidade. Mas sim, apontada por ambos os extremos (hetero e homo) como uma indecisão, ‘falta de vergonha’, ‘promiscuidade’, etc. Reforça ainda mais a ditadura binária e consequentemente a visão de contraposição, de opostos, de antagônicas entre a sexualidade, assim como se expressa nas identidades. (Essa nota imprescindível se queremos travar uma luta de conjunto contra as opressões, é fruto da contribuição e aportes de minha camarada Najila).
[2] Esse trecho foi extraído de uma palestra de Aline Monge – mestranda da UNESP, militante da LER-QI – na Fundação Santo André, na inauguração do grupo de estudos: Marxismo e Sexualidade.
[4] Apesar de pouco se discutir a respeito da pornografia - principalmente no campo da esquerda - mas é importante ressaltar como a repressão sexual empurra os jovens a pornografia, como uma saida, ainda que pregue o individualismo, também a autonomia do prazer. É um assunto que requer outro texto, mas é importante fazer a critica as industrias pornograficas a serviço reprodução da padronização, reafirmando o desejo nos esteriotipos. Entretanto, a pornografia não pode se limitar apenas a crítica a industria pornografia. É sem dúvida, um debate importante para avançarmos como atingir essa forma de expressão e de gozo de forma revolucionária.
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