quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Declaração da corrente PROFESSORES PELA BASE (LER-QI e Independentes) contra a homofobia nas escolas

Meu nome é Virginia Guitzel, sou uma travesti estudante do segundo ano de Ciências Sociais, militante da LER-QI e construo a corrente Professores pela Base. No dia 15 de fevereiro fui junto a um representante do sindicado da APEOESP de Santo André, dirigido pela Oposição Alternativa para me cadastrar como professora eventual na escola E.E. Nadir Lessa em Santo André – São Paulo. Como já esperávamos, houve uma grande resistência por parte da diretora em me aceitar como uma professora eventual. Foi preciso entrar em contato com a diretoria de ensino, ameaçar criar um boletim de ocorrência contra a diretora por discriminação e muita luta política para garantir a minha inscrição como professora eventual. Ainda que garantir minha inscrição não signifique ter qualquer garantia de que serei convocada na ausência de professores.

Infelizmente, parto da realidade onde muitas de nós, travestis, não conseguimos concluir a escola pela homofobia que sofremos diariamente. A maioria de nós somos submetidas a prostituição como única forma de trabalho que nos é oferecida. Parto da minha vivencia de ser tratada cotidianamente com muitos olhares, estranhamento, moralismo e ódio. Não há toa, não me iludo que garantir minha inscrição como professora eventual não responde minimante as minhas necessidades de sobrevivência. 1- porque a precarização dos professores, especialmente a nós – categoria O -, nos deixa sem qualquer estabilidade de emprego. 2- porque as escolas foram criadas e ainda servem como reprodutoras dos valores burgueses, o que significa, reafirmar a divisão no seio da classe trabalhadora, educando seus filhos a não serem solidários com as mulheres, os negros e os LGTTBIs para que não nos enxerguemos como parte da mesma classe. 3- Após o ataque aos professores da categoria O que já tinham 2 anos com o mesmo contrato, deixando estes professores 200 dias letivos sem poder entrar em salas de aula, fica evidente que ainda que não seja um segredo para ninguém que há menos professores do que o Estado necessita, é preferível para o governo do Estado de São Paulo e para as diretorias de ensino manter aulas vagas à manter vinculo com estes trabalhadores ou no meu caso, permitir que uma travesti lecione e 4- Além de não termos direito a convenio médico, somos impedidos de entrar em greve, porque não podemos faltar, assim impedindo nosso direito de nos expressarmos politicamente e de lutarmos contra os projetos do governo para a Educação púbica.

Eu como militante da corrente Professores pela base luto contra a precarização do trabalho e pelo fim da divisão em categorias dos trabalhadores. Luto contra as opressões de forma principista, para libertar a humanidade do capitalismo que se utiliza da opressão para intensificar ainda mais sua exploração. Me solidarizo com os 72 alunos e trabalhadores da USP que lutaram desde 2009 pelo fim do convênio PM-USP e por uma educação pública á serviço dos trabalhadores e hoje são acusados pelo ministério público de formação de quadrilha, com exigência de serem presos por no mínimo 8 anos. Me solidarizo também com os trabalhadores da GM de São José dos Campos que sofreram uma grande derrota em acordos vergonhosos que entregam empregos, direitos e salários. Me solidarizo com toda a juventude que hoje se levanta em todo o mundo contra os efeitos da crise capitalista que demonstram como esse modelo falido de organização social não tem consonância com nossas necessidades e quereres.

Os avanços legais sobre a questão LGTTBI em nosso país não resolvem de forma alguma os obstáculos colocados para nós. Primeiro, porque entre a lei e a vida real existe uma diferença gigantesca. Segundo, porque nem o mínimo votado é cumprido. O decreto Nº 55.839, de 18 de Maio de 2010, deveria já ter sido implementado entre 2010-2011 a implementação de um “Plano Estadual de Enfrentamento à Homofobia e Promoção da Cidadania LGBT e dá providencias correlatas”. O que significaria desde o governo do Estado de São Paulo: assegurar o tratamento pelo pré-nome social de travestis e transexuais nos órgãos públicos; criação de postos de atendimento a casos de discriminação por homofobia; Promover campanhas institucionais contra a homofobia; realizar cursos de capacitação em direitos humanos e diversidade sexual para gestores públicos, procuradores e servidores da Fundação Casa de secretarias do Governo do Estado de São Paulo; Atividades comemorativas como “Orgulho Gay” e “Dia da visibilidade LGBT” e adotar ações de enfrentamento ao trafico de travestis e transexuais para exploração sexual. Todas essas demandas que o documento no traz, não nos ilude com a democracia burguesa e suas falsas intenções de “democracia sexual”. Que além de hoje não se implementarem, caso sejam, serão por tempo determinado, até a crise econômica se aprofundar e estes direitos não poderem ser mais ser sustentados em detrimento do lucro das grandes empresas. 

Por fim, sei que encontrarei muitas dificuldades para conseguir o direito mínimo de um trabalho. Que ainda sou obrigada, como outras tantas, a ir trabalhar fantasiada de menino para garantir minha sobrevivência longe da prostituição. Ainda que digam que será difícil lidar com os alunos, até chegar neles, muitas lutas terão de ser dadas. Nós, Professores pela base, nos colocamos na linha de frente contra a discriminação nas escolas, nas universidades, nos postos de trabalho, nos lugares de lazer. 
Entendemos que para que as travestis possam trabalhar fora da prostituição, é preciso questionarmos não só o sistema de educação, mas levar esse questionamento a outro nível, nos lembrando do que foi o veto do Kit Gay de Dilma; o silêncio em relação ao aborto e os ataques que sofrem os lutadores em todo o Brasil; a clara perseguição política e tentativa de criminalizar os movimentos sociais, como a exigência de prisão para os trabalhadores e estudantes da USP; Todas essas lutas também são minhas: contra o governo e a burguesia que são os principais responsáveis pela marginalização das travestis e pela perpetuação da homofobia como parte do controle dos corpos e da imposição da miséria sexual á humanidade.
- Contra a homofobia que expulsa os LGTTBIs do mercado de trabalho, deixando-os nos trabalhos mais precários ou a prostituição!
- Por um amplo debate dentro das escolas para combater a homofobia!
- Por uma retratação da diretora da E.E Nadir Lessa.
- Pela efetivação do decreto 55.839!
- Pela imediata efetivação de todos os OFAs com todos os direitos;
- Pelo fim da quarentena/duzentena dos professores categoria O;
- Somos todos professores! Igual trabalho, igual salário e iguais direitos!

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Os operários diziam: ‘ela veio nos apoiar’

"Me chamo Virginia Guitzel, sou uma militante travesti da Juventude Às Ruas e da LER-QI e participei ativamente do processo de luta dos trabalhadores da Façon no Metrô de São Paulo. Durante os dias de ocupação do canteiro da empresa, pude conhecer diversos trabalhadores, como o Gilvanildo, um dos operários que conformou a comissão de trabalhadores e foi linha de frente de toda essa luta. Poder participar da luta desses companheiros me possibilitou ver que em momentos de luta de classes, a classe operária reconhece seus irmãos de classe pela solidariedade que recebem. Enxergam a necessidade de romper com preconceitos burgueses que não possuem bases materiais para os trabalhadores, mas servem para dividirem suas fileiras seja entre efetivos e terceirizados ou baseados no machismo, homofobia e racismo. Os trabalhadores da Façon, neste pequeno exemplo de luta se fortaleceram, porque confiaram em suas próprias forças para lutarem. Se fortaleceram, porque encontraram a necessidade de se unificar com os setores que se dispuseram não só a apoiar, mas participar ativamente da luta pelos seus direitos. Apesar de todo o discurso da burguesia, que muitas vezes a própria esquerda se adapta, de que a classe operária é atrasada e portanto importante agente da opressão homofóbica, pude ver, num pequeno processo de luta como este, a força das ideias revolucionárias da classe operária em aliança com a juventude na luta contra a exploração e opressão. Eu, como militante travesti, participando ativamente dos piquetes em solidariedade aos operários da Façon tive como resposta destes trabalhadores não apenas a reivindicação de minha presença mas a minha ampla defesa diante de piadas homofóbicas. Os operários diziam ‘Ela veio nos apoiar’ em resposta a qualquer atitude preconceituosa. Esta classe, representada pelos operários em luta da Façon mostraram a possibilidade de que aquele espaço de luta se tornasse um espaço muito mais acolhedor, onde eu podia ser eu mesma, uma travesti que defendia os trabalhadores. Um espaço mais acolhedor do que dentro de muitas universidades e demais espaços de "excelência" onde sou acolhida com hipocrisia e extremo conservadorismo. Sem diminuir a grande batalha a ser dada no centro da classe operária contra todas as formas de opressão apoiada em séculos de hegemonia da ideologia burguesa para nos dividir e nos separar, a experiência da Façon é um grande exemplo deste combate. Torna-se obvio que é ao lado destes que continuo minha luta pela emancipação da humanidade, em todos os níveis. São meus irmãos de classe contra a exploração capitalista e também contra a dominação sobre nossos corpos e mentes.”