terça-feira, 27 de outubro de 2015

Ser trans e a possibilidade de ser candidata nas eleições de 2016

Sempre que digo que sou jornalista do Esquerda Diário, me sinto empoderada para dizer que as travestis tem muito o que falar, apesar da mídia burguesa sempre querer nos retratar ou como vítimas, ou como doentes e criminosas. Quando consegui os laudos médicos para começar o tratamento hormonal escrevi para a Seção Gênero e Sexualidade como me sentia, "uma pequena conquista para quem sonha com a emancipação". Nestes cinco meses, isso só foi se demonstrando cada vez mais verdadeiro. Os hormônios não são nem de perto uma possibilidade de emancipação, mas como uma mínimo, uma sobrevivência para resistir os obstáculos e a permanente perseguição que sofremos por nossa identidade não cisnormativa.

Hoje fui a defensoria pública para dar início ao meu processo de mudança de nome. Como publicamos recentemente, com o PSOL tendo cedido as filiações democráticas, abrimos em nossa organização um debate sobre as candidaturas que lançaremos para dialogar com setores de trabalhadores e oprimidos por uma perspectiva revolucionária para responder a imensa crise política que vive o país lutando com todas as nossas forças para que o questionamento ao PT não fortaleça a velha direita, mas crie mais espaço para as ideias revolucionárias. Entre as candidaturas, estamos debatendo a possibilidade que eu concorra nas próximas eleições, o que novamente colocou em cena a luta pelo direito ao nome a participação das travestis, mulheres e homens trans na vida política.

É certo que a representatividade dos setores oprimidos dentro do parlamento está longe de corresponder as nossas expectativas. E não nos esquecemos, e nem deixamos de dizer, que concorrer as eleições não significa adentrar "a casa do povo", muito menos num Estado "neutro" a ser disputado, mas sim, que entramos num espaço que não é nosso, mas sim o grande balcão de negócios da burguesia, que é utilizado como um instrumento da classe dos patrões contra os oprimidos e os trabalhadores para atuar justamente para fazer esta denúncia e para colocar a pauta dos trabalhadores, das mulheres e da juventude como forma de constratar a política revolucionária aos grandes políticos profissionais que entram na política para enriquecer e desfrutar de privilégios. Mas diferente de pequenos grupos que se contentam em comentar os rumos do país ou fazer coro a intelectualidade petista da "onda conservadora", queremos construir no Brasil uma alternativa de esquerda que não seja mera testemunha dos acontecimentos, mas sim uma verdadeira força social que através da luta de classes abra cada vez mais espaço para que os trabalhadores, as negras, as mulheres e homens trans estejam fazendo politica, não repetindo os exemplo de partidos que se adaptaram a ordem burguesa e optaram por não transformar a força orgânica das massas exploradas em força politica, fazendo pesar suas necessidades frente aos lacaios burgueses, rumando a construção de uma nova sociedade.

Moro num dos maiores concentrações operárias da América Latina, no ABC Paulista, onde a crise do bastião histórico do PT já chega a mais de 84% de reprovação, as centrais sindicais ligadas ao governo como a CUT e a CTB vem rifando os trabalhadores com os acordos como o PPE que nada protege os trabalhadores, mas sim os lucros patronais como viemos denunciando regionalmente. O desemprego para a juventude já superou a media nacional e cada vez mais vem se instaurando na região provocando um efeito dominó nos ramos de serviços e pequenas empresas. As greves que marcaram o começo do ano e se seguiram nas grandes montadoras como Mercedes, Volkswagen e Ford e também em outras fabricas menores só demonstram a força e a disposição dos trabalhadores de defenderem seus empregos e seus direitos. Queremos contribuir para que cada lutador consiga dar um passo da luta sindical para a luta política, assim como cada oprimido possa se sentir representado e ver que mesmo com as tentativas da patronal, da polícia e da burocracia sindical e acadêmica, é possível fazer política de outra forma, a partir da nossa classe. 

Mas diferente do que vejo no movimento LGBT não quero concorrer as eleições pedindo votos "porque sou LGBT", ou porque sou travesti. Para quem participa dos foruns LGBT sabem que ser LGBT não significa inclusive combater a homofobia ou a transfobia - a depender de que letra você é representado. Mas ainda mais que isso, não significa ter uma perspectiva de classe, muito menos dar a importante batalha que viemos travando pela independência política do nosso movimento para lutar verdadeiramente contra o governo e seus aliados como a Igreja Católica e as próprias bancadas fundamentalistas para garantir aprovações de leis como o projeto João Nery, ou Lei da Identidade de Gênero, a criminalização da LGBTfobia (PL 122), entre outras medidas. Quero entrar para a vida política dizendo que as travestis tem muita a falar e a denunciar este Estado que ainda hoje segue sem reconhecer nossa existência, mesmo atingindo o hacking do país onde mais ocorre crimes contra as identidades trans. Mas como concorrer as eleições, se nem meu nome é reconhecido? Se nem minha identidade pode se reafirmada por este Estado? Como garantir que as travestis e transexuais participem da vida política se seguimos com 90% de nossa comunidade na prostituição, impedida de se organizar, de ter voz, de se enfrentar verdadeiramente contra este Estado de coisas ao lado da classe trabalhadora e dos demais oprimidos dessa sociedade?

Se vou ou não me candidatar não dependerá da mudança de nome, muito menos, das tentativas incessantes de que abandonemos esta batalha pela construção de uma alternativa classista e revolucionária para responder a crise política e econômica que chegamos no Brasil. Não quero ver o Brasil repetir os erros da Grécia ou da Espanha com "novos partidos" que no fundo fazem a mesma velha tentativa de mudar as coisas por dentro desse sistema podre, sem confiar nos trabalhadores e nos oprimidos para se enfrentar com nossos inimigos. Chega! É preciso de uma política revolucionária, de um mandato dos trabalhadores para denunciar e poder cobrir e aportar verdadeiramente para as lutas operárias e dos oprimidos! É preciso de parlamentares que ganhem como professores e não queiram enriquecer com a política, mas sim, lutar verdadeiramente pela dissolução desse Estado e por um governo dos trabalhadores. Somente assim, é que nós travestis e qualquer trabalhadora e qualquer oprimido poderá participar verdadeiramente da grande política. Não queremos opinar apenas sobre os projetos assistencialistas que, no fundo, alimentam apenas ilusões de um problema estrutural que nos tira a vida, a esperança e muitas vezes a própria perspectiva de mudança. 

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