domingo, 13 de outubro de 2013

Sobre a organização dos setores oprimidos no MML!

Escrevo um pouco mais sobre como se deu a organização do GTs no Encontro Nacional do Movimento Mulheres em Luta e a necessidade de entendermos a relação entre a política, isso é, as discussões e resoluções que definimos nestes grupos, e a forma de organização para que essas ocorram, como se influenciam, e de como o politico e o organizativo, nesse caso, estão completamente relacionados.
A divisão de GTs simultâneos que abarcavam desde temas gerais e chaves do Encontro como o debate da violência, prostituição e aborto, ocorriam ao mesmo tempo que os debates de setores duplamente oprimidos (Mulheres lésbicas, TRANS* e negras) e também o debate internacional (que discutiu os principais processos da luta de classes hoje, como Egito e Síria, que reivindico e acredito como tarefa fundamental desse encontro discutir e deliberar uma posição, para que o momento de reorganização do movimento de mulheres – sendo este encontro o maior encontro de mulheres classistas e revolucionárias nos últimos anos – esteja pautado nos processos reais 
da luta de classes).




Primeiro, me parece um equivoco que o debate sobre a questão negra, seja encarado como um debate de “mais um aspecto de opressão”, sem partir da definição de que o capitalismo brasileiro se desenvolveu em base a escravidão, a dominação dos negros e ainda mais fortemente o medo covarde da burguesia débil – como são as de país semi colonial – da grande massa negra que tinha a mesma rebeldia que os ex-escravos haitianos que fizeram a revolução. Esse é um debate que deveria estar expresso desde a conjuntura nacional, que não poderia estar desvinculada da questão negra, pois são os negros e as negras a grande maioria da população brasileira, são as massas trabalhadoras que sofrem com o racismo, que está para além da violência policial, mas que assim como apareciam nas mobilizações de Junho, eram expressões diretas da falta de moradia, da falta de educação, a reprodução da miséria que é imposta, num país miserável que nem reforma agrária nos ofereceu, como demandas da grande maioria, que são parte os negros e ainda de forma mais aguda as mulheres (lésbicas, travestis, transexuais) negras. Ainda que seja correto que haja espaço para as mulheres negras discutirem suas questões especificas (de forma que exista um espaço de organização próprio, que seja menos hostil do que os espaços abertos), o debate da questão negra não pode ser reduzido a referencia de um setor da população, mas sim encarado como uma questão nacional, uma opressão histórica e assim encarar que é tarefa de um movimento revolucionário de mulheres, compreender a centralidade que essa questão tem para a luta pela emancipação da mulher, o peso que tem nas lutas nacionais e para o conjunto de países onde a questão negra não pode ser encarada por fora de uma visão mais profunda de sua relação com a constituição do capitalismo e seu aspecto fundamental para sua derrubada.

Em relação, a questão das mulheres lésbicas e TRANS* da mesma forma que muitas organizações de esquerda reclamam de que o debate da mulher só é feito pelas mulheres, que quando falamos é a hora que nossos companheiros saem para buscar café, ir ao banheiro, preparar sua fala, e não escutam, todos esses exemplos, a organização dos setores oprimidos simultaneamente as principais discussões (e proposta de campanhas e ações) do Movimento Mulheres em Luta levou-nos a sermos as únicas a discutir nossas demandas, de forma isolada do resto do Encontro. A defesa da organização dos setores oprimidos para que estes possam se desenvolver, num terreno menos hostil e mais libertário, como protagonistas e linhas de frente de sua luta por emancipação não pode em momento algum estar em detrimento do movimento de conjunto abarcar suas demandas e ser parte de sua luta.

Mais uma vez, a discussão das mulheres TRANS* fica a parte, expressando como ainda, dentro do movimento de mulheres classistas, somos um adendo nas resoluções, não parte constitutiva e integrante do encontro. 

A auto-organização dos setores oprimidos ou a auto-organização do conjunto da classe trabalhadora em defesa dos oprimidos?


Um debate que horas parece semântico e linguístico e horas se demonstra como uma estratégia adotada por alguns grupos feministas e por hora, da própria esquerda, se expressou no movimento de mulheres, que sem dúvida, sofre pressões de muitos lados (seja a adaptação do programa para “dialogar com as massas, sem tentar ajudar na elevação da consciência”, por outro de não conseguir ligar a luta do combate as opressões com a luta pela derrubada do sistema capitalista e pela construção de uma sociedade sem Estado, sem classes sociais, sem desigualdade econômica e política).

Sem dúvida, achamos que é uma questão de principio se colocar ao lado dos setores oprimidos nas suas escolhas de organização. Achamos que é tarefa desses setores ditarem como querem se organizar e como lutarão pela sua emancipação, ainda assim, isso não significa nos abstermos do debate político e tentarmos apresentar nossas ideias para que contribua para a organização das mulheres revolucionárias em sua luta contra a exploração e a opressão que nos é imposta.

A crise econômica em que vivemos hoje demonstrou que o direito de setores oprimidos não são perenes, que ainda que tenhamos conquistado diversos avanços quando olhamos exclusivamente para a questão do gênero, quando atrelamos o caráter de classe, vemos que esses avanços não vieram sem contradição. A história do feminismo, sua evolução condizente com o tempo histórico em que a luta se pautava, nos serve para refletirmos os avanços e os limites da luta pela emancipação da mulher. Seja pela luta pela inclusão dos setores oprimidos dentro da ordem capitalista com a bandeira de igualdade, seja na elevação das diferenças problematizando a igualdade “idêntica”, a produção teórica de que maneira efetiva se luta pela emancipação da mulher e dos setores oprimidos, acabava sendo caindo entre a conquista de mais cargos públicos e políticas públicas via reformas no Estado burguês ou a constituição de uma contracultura, que propunha diversas reformas linguísticas e formas inovadoras (por vezes, corretas) de lidar com as construções de identidades, sem traçar uma estratégia de combate ao sistema capitalista rumo a um governo operário capaz de fornecer as condições materiais para se estabelecer uma igualdade não apenas nas leis e de aparência, mas na vida real.

Se demonstrou de maneira verdadeira que não se pode constituir espaços autônomos independentes do regime socioeconômico e político em que vivemos. A influência e a determinação desse sistema é involuntário e perpetua a desigualdade social. Por isso, a nossas formas de organização precisam estar ligadas com esse objetivo, de unificar a fileira dos trabalhadores, construir uma sensibilidade pró-operária entre os oprimidos combinado a constituir uma sensibilidade entre os operários das bandeiras dos setores oprimidos da sociedade como as mulheres, LGBTs e negros e negras, assim buscando que a classe trabalhadora seja capaz de hegemonizar os demais setores da sociedade, a partir de carregar suas bandeiras em suas mãos, para fortalecer nosso campo revolucionário para a tomada do poder.

O Encontro resgatou diversas mulheres revolucionárias: Rosa Luxemburgo, Clara Zektin, Dandara, Flora Tristan, entre outras, que também faziam um debate sobre a organização das mulheres, em partidos políticos, no SOVIETs, na linha de frente da luta revolucionária, da luta contra o machismo, etc.
Os debates sobre conjuntura nacional e internacional, assim como o aprofundamento dos processos revolucionários em curso, nunca foram secundarizados na organização das mulheres, pelo contrário, eram espaços privilegiados pois colocavam as mulheres na linha de frente de uma reflexão estratégica, dos avanços e limites dos processos e na busca por encontrar saídas e inclusive aprendizado com a luta dos trabalhadores. Resgato isso para dizer, que o caráter simultâneo dos GTs que aprofundavam a visão da Primavera Árabe, os GTs de setores oprimidos e os debates centrais do encontro que inclusive eram deliberativos, se colocavam contra um método revolucionário de que as mulheres se apropriem da reflexão estratégica e os ensinamentos que os processos da luta de classes como Egito e Síria nos trazem, assim como os setores oprimidos organizados nesse momento, partem de não só departamentalizarem sua luta, mas também de estarem marginalizados dentro do próprio encontro (sem que nossas demandas ecoassem dentro dos principais foruns de discussão e impedindo diretamente que opinássemos nas principais resoluções como o debate da violência, que é parte fundamental de nossa opressão, uma vez que somos nós, as TRANS* que temos a perspectiva de vida de apenas 35 anos, no país mais homofobico do mundo).

Por isso, nesse debate tentamos esclarecer ao máximo, que defender espaços privilegiados de discussão entre setores oprimidos não pode estar em contradição, nem pode nos deixar menos convencidas de colocar, que é preciso nos auto-organizarmos junto a classe trabalhadora, por isso é nossa tarefa exigir que os sindicatos e as entidades estudantis tomem em suas mãos, as bandeiras das mulheres lésbicas, das travestis e das transexuais. Nossa luta é anticapitalista, pois é nesse sistema que estamos entregues a prostituição como única forma de subsistência, que estamos jogadas a violência (verbal, física e psicológica) cotidiana, a perseguição de grupos transfobicos, da própria polícia assassina e genocida com o povo negro e com as TRANS* e sem a acesso a serviços públicos mínimos como saúde, educação, moradia, etc.

Nossa luta é contra os grandes capitalistas que lucram milhões com o nosso trafico sexual, com os silicones industriais que nos matam, com clinicas clandestinas que realizam aborto e também a cirurgias para construirmos nossos gêneros, que lucram milhões com os hormônios e as pílulas de anticoncepcionais colocando nossos direitos a venda. Nossos inimigos são os mesmos de toda a classe operária, entretanto, não podemos nos iludir de que não é necessário dar um serio e profundo combate na ideologia burguesa que contaminou a classe trabalhadora, principalmente nos últimos 30 anos, onde conseguiu consolidar sua história de “fim da classe operária” e “vitória do capitalismo”, pós derrubada do muro de Berlim.

Atuamos num movimento classista e revolucionário, porque não acreditamos como muitos movimentos feministas acabaram por "descobrir" que nossa luta seja contra os homens ou como algumas transfeministas acreditam "contra as mulheres CIS (mil aspas no termo Cis"), pelo contrário. Achamos que a aliança entre os homens trabalhadores (também brancos e heterossexuais) com as mulheres """"CIS"""" e demais setores oprimidos não só são importantes, como extremamente necessários para colocar abaixo essa sociedade que nos oprime e divide. Atuamos nesse movimento porque não vemos o combate ao capitalismo separado do combate as opressões. Tampouco temos uma estratégia de que cada grupo autonomamente lute por sua emancipação, mas exatamente o contrário, sozinhas, podemos ser poucas, no encontro eramos no máximo em 10 mulheres TRANS*, mas juntas eramos um movimento real e forte com a presença de mais de duas mil mulheres.

***

Por fim, essa é uma crítica para avançarmos de conjunto na organização dos próximos Encontros Nacionais e também aprofundarmos um debate com o conjunto dos movimentos de esquerda e de setores oprimidos sobre como forjar uma real aliança na luta contra nossos inimigos em comum.

                Ao construirmos um movimento de mulheres revolucionário e classista, precisamos entender que os elementos organizativos (como por exemplos, as mesas de discussão e os grupos de trabalho) não podem ser pensados por fora de seus objetivos políticos e para assim garantir a melhor forma (mais democrática e qualitativa) possível a elaboração de um plano de lutas que nos arme para o próximo período.

É preciso que exista fóruns permanentes de discussões entre setores oprimidos, para que nos organizemos e elaboremos nossas demandas, que possamos trocar informações e constituir uma relação mais próxima entre nós. Por outro lado, é fundamental que nesses encontros não se expresse uma departamentalização das discussões, que inclusive os setores oprimidos sejam protagonistas de se reunirem, e não GTs específicos para estes (que parece as vezes até um “organização forjada”) e que de forma mais democrática, os debates mais profundos e teóricos sobre os processos revolucionários em curso possam ser debatidos com o conjunto do Encontro e que as TRANS*, desde onde falo, possamos não apenas ser linha de frente de nossa opressão (o que já nos damos a tarefa), mas que sejamos dirigentes revolucionárias, queremos ser protagonistas da luta contra essa sociedade de miséria, opressão e exploração, queremos ser linha de frente da abolição de tal modo de produção, queremos ser mulheres que lutam contra toda essa podridão e responsáveis por colocar de pé uma nova sociedade.

Nós, mulheres TRANS* queremos tomar o céu por assalto. Queremos ser linha de frente da transformação radical dessa sociedade. Na nossa luta por emancipação, a revolução é uma condição, que não abrimos mão!

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