quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

Nome social e Transcidadania, avanços e limites

Publicado originalmente em : http://www.palavraoperaria.org/Nome-social-e-Transcidadania-avancos-e-limites


DIREITOS LGBT

Nome social e Transcidadania, avanços e limites 


Por Virgínia Guitzel

Os últimos dois anos vem sido intensos para o debate político sobre LGBT no país. Desde que estouraram as gigantescas manifestações de Junho de 2013 os direitos para gays, lésbicas, bissexuais e transgêneros vem sendo debatidos incansavelmente. Os inúmeros assassinatos por homofobia e transfobia ganharam destaque na agenda dos movimentos sociais, ocupando ruas por justiça e investigação para Kaique, João Donati, Geia Borghi e Marcos Vinicius. Mas foi nas eleições presidenciais que este tema demonstrou o quanto ainda é incomodo para as classes dominantes. Com discursos de ódio incentivando violência contra LGBT num país que já carrega o recorde de homo-lesbo-transfobia, Levy Fidelix deu voz ao que há de mais obscuro e ao mesmo tempo tão naturalizado na democracia burguesa. A criminalização da homofobia que foi uma das promessas de Dilma no segundo turno, não demorou muito para ser arquivada e se tornar mais uma promessa que não será cumprida.
2015 todavia não começou com grandes mobilizações LGBT. Mas para a surpresa de muitos, começou com a extensão do direito ao nome social para alunos da rede pública de ensino básico e superior, a partir do decreto da Secretária da Educação. Uma importante conquista no respeito ao direito da identidade de gênero, ainda que guarde consigo um profundo obstáculo já que menores de 18 anos ainda precisarão de autorização dos pais para utilizar o nome. Mas o que chamou mais atenção foi o lançamento do programa Transcidadânia, no dia internacional da visibilidade trans, 29 de janeiro.

O programa da prefeitura de São Paulo fornece 100 bolsas para travestis e transexuais no valor de R$ 840,00 para concluírem os estudos e busca a "ressocialização no mercado de trabalho" como alternativa a prostituição compulsória. Com a carga horária obrigatória de 6 horas, o projeto é dividido em 4 módulos: 1 módulo - EJA/ Curso Profissionalizante mais aula de Cidadania e Direitos Humanos (buscando conscientizar a importância de políticas públicas), 2 módulo - EJA/ Curso Profissionalizante mais Acompanhamento de ONG/Governamental (desenvolvendo pesquisa sobre o projeto, avaliação das participantes e críticas-sugestões), 3 Módulo - EJA mais Curso de preparação para o mercado de trabalho (com ensinamentos básicos sobre currículo, entrevistas, etc) e 4 módulo - Estágio. São previstos 2 anos para formação do ensino fundamental, sendo esta etapa a prioridade do programa. Também se debate a ideia de incluir cláusulas nas licitações das empresas com a prefeitura que garanta o primeiro emprego destas participantes. Todos os profissionais que participam do programa terão uma formação anterior para garantir o respeito a identidade de gênero.
Combinado a isso, a Secretaria de Saúde de São Paulo referendou duas Unidades Básicas de Saúde (UBS) para o tratamento de hormonização das travestis e transexuais que queiram realizar este procedimento, buscando minimizar os sérios ricos da automedicação sem acompanhamento médico, assim como o atendimento de vítimas de violência doméstica no Centro de Referência a Mulher.
Essas medidas muito importantes para avançar em direitos elementares para as mulheres transsexuais, travestis e transgêneros como a saúde e a educação foram tão inesperadas que causaram desconfiança de amplos setores LGBT. Entre os questionamentos que se começaram a debater, está que ainda são medidas muito pontuais, de apenas 100 bolsas para esse projeto. Além disso, nós gostaríamos de refletir mais profundamente a relação entre essas medidas localizadas e o problema dos LGBTs no Brasil de conjunto: porque essas medidas seguem sendo parciais enquanto a homofobia e a transfobia continuam estruturais?
Novo Governo, velhos problemas para garantir nossos direitos
A recente vitória de Eduardo Cunha na Presidência da Câmara, o autor do projeto da Cura Gay, demonstra que mesmo com essas conquistas táticas, seguimos num impasse para nossas grandes reivindicações. A luta pela criminalização da homofobia e pela Lei João Nery - que garante o reconhecimento da identidade de gênero e os meios para construí-la - seguem necessárias. Todavia, o Congresso segue na contramão ao combate as opressões e em garantir os direitos igualitários para os homossexuais, bissexuais e pessoas trans.
Jean Wyllys deputado pelo PSOL no Rio de Janeiro, recentemente declarou que "Dilma deu a Câmara a seu pior inimigo" e em sua declaração pontuou "com a derrota nas eleições pra presidência da Câmara e a consequente perda de posições na Mesa Diretora, o PT fará questão de pegar a presidência de três comissões de peso legislativo – o que significará deixar, de lado, a Comissão de Direitos Humanos e Minorias (como o PC do B também não optará por esta comissão, o provável é que ela caia nas mãos de algum partido que tenha, como objetivo, impedir o avanço legislativo em relação aos DHs de minorias e às liberdades individuais, como, por exemplo, PSC, PP, PR et caterva);".
Não há como não concordar com Jean Wyllys que mais uma vez os direitos dos setores oprimidos estarão rifados nos jogos de interesses milionários que envolvem o controle da máquina do Estado. Não esquecemos do Feliciano que foi o interlocutor da burguesia tentando utilizar a fé de milhares de pessoas para sustentar a homofobia e transfobia e dividir os trabalhadores jogando contra estes durante Junho e nas greves de 2014. Quem sabe agora para que mãos irá a Comissão de Direitos Humanos?
Entretanto, mesmo após todas as demonstrações de Dilma em vetar o kit anti-homofobia nas escolas, não se pronunciar sobre nenhum dos escândalos dos assassinatos LGBT, receber o Papa de braços abertos enquanto a polícia reprimia com armas de fogo os manifestantes, ter garantido o espaço de Feliciano na Comissão de Direitos Humanos, não é uma contradição que durante as eleições tenha Jean Wyllys chamado voto em Dilma dizendo que suas ligações deveriam tranquilizar os LGBT? O que devem os LGBT que seguiram seu conselho fazer agora? O "mal menor" demonstrou o seu significado, mais ataques e humilhações para os setores oprimidos.
Os desafios de 2015 para os LGBT
Os debates que vieram surgindo internacionalmente com a vitória de Syriza na Grécia e do fenômeno de partidos como Podemos no Estado Espanhol colocam os limites que o reformismo e os partidos de esquerda "anti-austeridade" tem para buscar uma verdadeira melhoria de vida para a população. Não é retrocedendo nos direitos LGBT, nem mesmo omitindo as mulheres do parlamento que se pode dar qualquer saída progressista para a crise. Será esse o caminho de partidos como PSOL? Serão justificáveis para Jean Wyllys e seus companheiros de partido abrir mão de nossos direitos como faz Syriza? São questionamentos que o movimento LGBT não pode se ausentar de fazer.
Frente a essas contradições, os LGBT precisam buscar sua reorganização. As mobilizações de Junho abriram um novo momento no país, muito vantajoso para lutar e vencer. Para isso é preciso que o movimento LGBT rompa seu movimento de institucionalização, buscando a mobilização independente aliada aos trabalhadores que protagonizaram greves importantes. Não esqueçamos que foram os metroviários que no fim do ano passado lançaram uma forte e emocionante campanha de cartazes que exigia o fim da homofobia. E foram os indomáveis trabalhadores da Universidade de São Paulo que foram parte viva do ato por investigação e Justiça para João Donati. É a classe trabalhadora, a única classe que pode lutar seriamente por nossas demandas. Por isso é preciso de uma vez por todas, organizar um forte movimento que se organize desde os locais de trabalho e de estudo para tornar vivo o combate a toda a forma de opressão, que seja parte do conjunto do movimento operário e estudantil contra esses governos e os patrões.

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